Casa

Fiz uma careta, olhando para a minha mão REJEITADA, MAIS UMA VEZ, e revirei os olhos, cruzando os braços ao peito. - Estou a ser educado. - Reclamei, querendo chamar-lhe um monte de nomes, porque: 1) era de manhã; 2) não tinha dormido; 3) estava cansado e irritável. - Adeus. - Disse aos dois, seguindo-os até à saída.

- Sim. - disse apenas para a Olivia e andei depois até à porta com eles. - E muito formal. - voltei a repetir para o Ben e encolhi os ombros à forma como ele me falou. - Até à próxima. - disse-lhe mesmo sem saber se mais alguma vez o veria, era provável que sim, nem que fosse pela amizade do meu irmão com a Olivia. Assim que abriram a porta sai e esperei que o Aaron fizesse o mesmo.

Revirei os olhos e voltei para trás, pegando numa caneta que andava sempre perdida pela sala de estar. Avancei na sua direção com um sorriso forçado e 'falso' no rosto, pegando-lhe na mão que não era tatuada e escrevendo-lhe o meu número. - Podes pôr o nome "Formal" como nome, já que mais vale ser isso do que... rude! - Semicerrei-lhe o olhar, cruzando os braços ao peito quando eles saíram os dois.

Olhei para o que ele fazia meio confuso e só depois reparei no número agora escrito na minha mão. Abanei a cabeça rindo-me de forma leve. - Acho que vou antes pôr otário, espero que sirva. - pisquei-lhe o olho e comecei a andar para fora da casa deles assim que eu e o Aaron ficamos sozinhos.

-Otário és tu! - Gritei-lhe quando ele já estava no corredor. Fechei a porta, revirando os olhos ao mundo, porque era só isso que me apetecia fazer. Cruzei os braços enquanto andava até à sala de estar, e ignorei os olhares da minha irmã, sabendo que isso também não me ia levar a lado nenhum, já que quando ela queria falar, simplesmente, falava.

Fiz uma careta, olhando para Benjamin que estava a gritar que o meu irmão é que era otário. - Rude. - Resmunguei, descendo o único lanço de escadas que existia até à entrada. - Desculpa se querias estar mais tempo com eles. Eu esqueci-me dos meus medicamentos. - Admiti. - E quero passar o resto dos meus dias em casa, estou farto de ser um ser sociável.

Juntei as sobrancelhas enquanto olhava para o Ben e o Axel que pareciam estar a dar-se... Bem e olhei novamente para o Aaron ao ouvi-lo - Não te preocupes com isso, de certeza que teremos mais oportunidades. - encolhi os ombros e sorri-lhe - Beijinhos Aaron. - disse-lhe antes de também ele sair de casa, atrás do irmão. Segui o Ben para a sala e obviamente enchi-os de perguntas sobre o que se tinha passado com o Axel naquela noite. Depois disso voltei à minha vida normal e com as palavras do Aaron na minha cabeça, agarrei no meu portátil e fui ao Mail dar uma volta às várias propostas de trabalho que tinha recebido.

O que me irrita nas minhas insónias é que eu consigo dormir. Deito-me na cama, fecho os olhos e alguns minutos -longos- acabo por adormecer. O pior são os pesadelos que vêm dele, para um sono tão leve, os pesadelos são demasiado reais.
Estava a tornar-me num zombie e a enlouquecer mais do que previra desde que tinha aterrado na minha terra. Já tinha prometido arranjar ajuda, mas também já tinha sido seguido por médicos no início, eles não conseguiram resolver nada, porque é que voltaria agora?
Levantei-me lentamente da cama e esfreguei a cara para despertar. Há dois dias que não conseguia dormir de verdade, quando os comprimidos da minha irmã me deixavam dormir durante dias inteiros; não podia dizer que estava habituado a estar acordado. Arrastei-me até à sala, já sem apetite para sequer tomar o pequeno almoço, e estiquei a mão para ligar a televisão.

Tinha aceitado alguns dos trabalhos que me tinham mandado e por isso tinha estado mais ocupada que o habitual. Era uma sensação agridoce porque tinha decidido enveredar pela carreira de modelo - novamente - para irritar os meus pais que viam as modelos como cabeças ocas que faziam tudo o que lhes mandavam, inclusivamente não comer para manterem a boa forma e daí ter escolhido a profissão. Se gostava de o fazer? Gostava. Mas se era o meu sonho? Não sabia... A verdade é que o trabalho deixava-me cansada e não tinha pegado em comprimidos nos últimos dias, só uns charros de vez em quando mas os comprimidos (pareciam) esquecidos.
Atirei as chaves de casa para o pequeno móvel da entrada e atirei-me para o sofá onde o Ben já se encontrava com uma cara péssima - Tens falado com o Axel? - lembrei-me de perguntar já que nunca mais lhe tinha falado do assunto depois da noite da discoteca e da dormida deles.

Até estava a dar um filme interessante quando Olivia chegou a casa... se por acaso já não o tivesse visto duas mil e trezentas e três vezes. Endireitei-me para lhe dar espaço do sofá, percebendo que ela estava exausta e que ia atirar-se para o objeto confortável. Levantei uma sobrancelha, perguntando-me por momentos quem era Axel, até me lembrar do King e do irmão. - Olá, Olivia. Estou ótimo e não, não tenho falado com o Axel. - Respondi-lhe com uma dose elevada de sarcasmo. Eu devia estar de melhor humor e ser mais simpático, ela era a única que estava a pôr dinheiro na mesa para comermos enquanto eu ficava a pensar no que fazer à minha vida. - E não vou falar com ele, mal me lembro do nome dele. - Resmunguei para mim, voltando a fitar a televisão.

Revirei os olhos ao ouvir o seu tom de voz - Olá Benjamin, é mais que evidente que estás longe de estar ótimo e ao menos enquanto estiveste com o Axel parecias... Feliz. Ou pelo menos mais feliz que isso. - disse apontando para ele - Por isso devias deixar de ser casmurro e voltar a falar com ele. Irem beber um café ou assim. - sugeri com um encolher de ombros. Também não falava com o Aaron desde aquela noite e apesar de ele ser estranho, tinha sido sincera quando lhe tinha dito que gostava de falar e de passar tempo com ele (mesmo conhecendo-o tão mal) por isso tinha de lhe mandar mensagem.

-Eu parecia mais feliz porque 1) estava bêbedo; 2) tinha conseguido dormir alguma coisa no dia anterior, o que não é o caso, nem do dia anterior, nem do dia anterior anterior. - Levantei uma sobrancelha a mim próprio enquanto fazia as contas. - Então... não me parece. - Cruzei os braços ao peito, soltando um suspiro frustrado. - Mas se queres tanto que eu fale com ele, podes dar-me alguma coisa para me ajudar, e eu combino alguma coisa. - Tentei. Sinceramente, não tinha esperanças que ela cedesse, mas eu estava a ficar desesperado e cansado e mal disposto física e psicologicamente. Se ela não me desse nada, o mais provável era conseguir noutro sítio.

Encolhi os ombros - Então fala com ele, embebeda-te outra vez e quem sabe se não consegues dormir. - endireitei-me no sofá quando o ouvi a seguir e tive vontade de me bater a mim própria. A culpa era toda minha. Eu tinha levado o vicio para a nossa família, eu tinha dado comprimidos ao Ben e agora aqui estávamos nós - Falas com ele se eu te der alguma coisa? - repeti - Já falas como um verdadeiro drogado, Ben. - suspirei sabendo que era provável que ele me odiasse mas estava a fazer aquilo por ele - Não te vou dar nada. Precisas de sair daqui, espairecer, passar tempo com amigos em vez de passares os dias fechado em casa a pensar. E devias ir ao médico como falamos antes. Eu tenho dinheiro para ires.

Mordi o lábio inferior com força, impedindo-me de lhe responder, porque a verdade era que eu me tinha embebedado para ver se acabava adormecido num canto, sem pesadelos e sonhos maus, ou qualquer coisa do género. Mas não tinha dado em nada, porque quando cheguei à cama - mesmo com o deus grego ao meu lado - não tinha acontecido nada.
Abri a boca para lhe responder e dizer que falava, quando ela respondeu de volta. Eu sabia que ela não me ia dar nada, mas não era preciso dizer uma coisa daquelas, principalmente, porque... não era verdade. Ou era?
Ignorei as minhas mãos trémulas e bati com uma no sofá, no espaço que havia entre nós.
-Eu só quero parar de sentir isto! - Levantei-me, querendo sair dali o mais rápido possível. - Eu não quero nenhum médico e não tenho amigos, Liv. - Abanei a cabeça, não deixando que as estúpidas das lágrimas me caíssem pelas bochechas. - Vou para o meu quarto.

Suspirei e encostei a cabeça ao sofá quando o Ben se levantou e saiu dali em direção ao seu quarto. As coisas estavam cada vez piores e isso só me fazia a mim ficar mal por saber que a culpa era toda minha - Merda. - murmurei para mim própria antes de começar aos socos a uma almofada que não me tinha feito mal nenhum mas era o que estava ali mais próximo - Bom trabalho, Olivia. - resmunguei entre-dentes. Empoleirei-me toda no sofá para chegar à minha mala que tinha atirado para o chão à chegada, e revirei a mesma à procura do isqueiro e de um charro que sabia ter ali perdido. Levantei-me do sofá e caminhei até à nossa pequena varanda, abrindo todas as janelas antes de acender o cigarro.

Acabei por me rir de forma leve quando o ouvi chamar rude ao Ben. - Obrigado Aaron. - murmurei e abri a porta saindo por fim para a rua. - Não, não peças desculpa. Eu não queria, quero ir para casa. Preciso de descansar. - estava sempre cansado das noitadas, era essa a conclusão a que chegava. Abanei a cabeça enquanto o olhava. - Não digas isso. Tens a Olivia agora, vocês parecem gostar de estar um com o outro, portanto podes aproveitar para ir saindo mais algumas vezes com ela. - disse com um sorriso nos lábios.

Sentei-me na ponta da minha cama, apertando a mão uma na outra, com o olhar fixo à minha frente. Não sabia o que fazer, e parte de mim queria ficar chateado com Olivia, mas a outra já estava a querer ir abraçá-la, porque ela não tinha culpa e eu sabia que ela pensava que estava a fazer o melhor para mim... mas não estava. Respirei fundo, com o peito a doer-me por estar a evitar o choro, e levantei-me, andando de um lado para o outro. Ela também tinha razão em dizer que precisava de sair, mas só pensava em ir a um lugar. Fechei os olhos, avançando às cegas até à porta. - Liv. - Chamei, não sei quanto tempo passou depois de lhe ter gritado, mas só queria retirar tudo o que tinha gritado, porque ela não tinha culpa que eu estivesse assim. - Liv. - Vi-a na varanda e não foi preciso vê-la para saber o que é que estava a fazer, mas também não me importei, abri o resto da janela e abracei-a assim que pude. - Desculpa... Não tens culpa de nada disto. Desculpa, mana. - Enfiei a minha cabeça no seu ombro, apesar dela ser mais pequena. - Não queria gritar.

Odiava discutir com o Ben e isso nunca acontecia; nunca discutíamos entre nós, nós ficámos sempre unidos contra os outros todos por isso aquilo tinha sido horrível. Suspirei, dando outra baforada no cigarro numa tentativa vã de acalmar os meus pensamentos e as minhas emoções. Levantei o olhar quando ouvi a voz do Ben a chamar-me e não tive tempo de fazer mais nada a não ser atirar o cigarro pela janela e rodear o seu corpo com os meus braços também - Não tens de pedir desculpa. A culpa é toda minha. - murmurei com um suspiro - Eu é que comecei com isto para irritar os pais e comecei a dar-te os comprimidos... só te quero ajudar, Bee. - cheguei-me para mais perto dele e apertei-o com mais força - Por isso é que não te quero viciar nisto e quero que descubras outra maneira de resolver o problema.

Não podia estar mais do que dois minutos chateado com ela, isso já era demais. Ela era a única pessoa que eu tinha e eu era a única pessoa que ela tinha, não queria imaginar o que é que lhe tinha passado pela cabeça quando desapareci do mapa -quase literalmente- porque uma coisa era certa: eu não podia viver sem a minha irmã.
Comecei a afastar-me, percebendo que tinha deixado as lágrimas cair, e juntei as sobrancelhas ao ouvir o que ela disse. - O quê? - Abanei a cabeça. - Liv, não trouxeste nada para nenhum lado, está bem? - Afaguei-lhe a cabeça, voltando a puxá-la para mim. - Porque é que não decides seguir o teu conselho? - perguntei.

Tinha os olhos a picar pelas lágrimas que começavam a surgir mas que tentava impedir de cairem; sempre tinha tido a mania que era muito forte e às vezes isso trazia-me mais danos do que vantagens - Trouxe sim, a culpa é minha. - disse mordendo o lábio inferior com força. Levantei o olhar para ele novamente com o seu comentário seguinte e encolhi os ombros - Acho que é mais fácil dizer que fazer. E além do mais eu só me quero divertir. E irritá-los. - voltei a encolher os ombros.

-Não é culpa tua. - Não elevei a voz, mas era o que me apetecia fazer. Estava frustrado e não queria que ela se culpasse daquela forma. - É culpa deles. - Apontei para algures. Os nossos pais tinham muitos defeitos, muitos mesmo, mas eu ainda conseguia ter alguma fé neles e pensar que, talvez depois de pensarem que estava morto, as coisas ficariam melhor, mas eles só me visitaram uma única vez, quando eu ainda estava tão mal que mal conseguia falar. - Eles é que têm culpa - Repeti, descendo o olhar para as minhas mãos nos seus ombros. - Talvez seja altura de nós os ignorarmos e passarmos a ser independentes. - Encolhi ligeiramente os ombros. - Tu sabes que eu estou a tentar arranjar trabalho... mas não está a resultar. - Assim que sabem dos meus problemas de memória, começam a fechar-me as portas. - Mas um dia vou conseguir, e quando conseguir... vamos à nossa vida sem eles.

Voltei a suspirar e encolhi os ombros - Devia ter estado lá para ti, desde o início. Devia ter estado contigo no avião e não te devia ter dado comprimidos nenhuns. - mantive os meus braços à volta do tronco do Ben, continuando a abraça-lo com força - Eu quero afastar-me deles, tenho aceitado empregos por causa disso e para te ajudar. - disse levantando o olhar para ele - Precisas de sair daqui e espairecer. E ir a uma consulta. Não faz mal nenhum e pode ajudar-te. - só queria que ele ficasse bem, odiava vê-lo a sofrer e não conseguir fazer nada para o ajudar - Vais conseguir arranjar emprego, eu sei que vais. E vais fazer algo que gostes.

-O quê? - Eu tinha a tendência, não só para ser dramático, como também para chorar demasiado. Quando começava, não havia maneira de parar e era uma das coisas que mais odiava em mim, porque os nossos pais tinham sempre a mania de nos fazer sentir mal quando chorávamos. - Estiveste sempre comigo, Liv. E ainda bem que não estavas naquele avião, porque se estivesses podias acabar... como... ela... e eu já mal consigo viver sem a Dinnah, mas muito menos consigo viver sem ti. - Apertei-a com força, admirado como a minha voz tinha aguentado forte até ao momento, sem quebrar. - Ouviste? - Fechei os olhos, nem ouvindo mais nada do que ela tinha dito, mas acabei por apanhar a última parte. - Não sei mais o que gosto de fazer.

Tinha o peito apertado com a nossa discussão, esta conversa e a expressão sofrida do Ben. Limitei-me a assentir com a cabeça ao que ele dizia mas isso não me fazia mudar de ideias; devia ter estado lá para o ajudar a passar por tudo aquilo em vez de estar ali em Sydney, em segurança em casa a sofrer por ele. Tinha mesmo pensado que ele estava morto e foi horrível, apesar de termos aquela ligação de gémeos e ela me dizer que o Ben estava vivo e ia voltar para mim, ter todos a dizer que ele estava morto tinha-me feito começar a acreditar nisso e sentir-me cada vez mais culpada - Não tens de viver sem mim. - disse-lhe seriamente; não o ia abandonar nunca nem ia deixar que ele mo voltasse a fazer - E eu sei que custa mas a Dinnah ia gostar que tu vivesses a tua vida. Estares aqui em casa só a reviver tudo não é bom para ti e ela não ia querer isso. - larguei-o apenas para agarrar nas suas mãos e entrelaçar os nossos dedos - Eu ajudo-te sim? - apesar de nem eu própria saber o que gostava de fazer, daí continuar a aceitar empregos como modelo - E vamos descobrir aquilo que gostas mesmo e vais ver que vais conseguir arranjar um emprego.

Esfreguei a cara para afastar todos os vestígios de lágrimas e outras substâncias que me estavam a escorrer pelas bochechas. - Eu sei disso. Eu tento não pensar. - Murmurei. - Mas aparecem em forma de pesadelos e depois não consigo dormir, e fico cansado. - Suspirei, era tudo um ciclo vicioso. Depois das coisas que tinha visto, fechar os olhos era um martírio. Assenti, sorrindo quando ela agarrou nas minhas mãos. - Sim. - Aproximei-me, dando-lhe um beijo na testa. - Liv... não te esqueças que também tens que cuidar de ti. Não te culpes, está bem? Eu vou ficar bem.