Entrada

- Isso foi mesmo mau da tua parte. Coitadas das crianças, a serem comparadas comigo. - fiz uma careta.
Sorri quando os meus pés assentaram no chão e virei-me para ele.
- Ser do contra é a minha única qualidade. - encolhi os ombros descontraidamente.

Abanei a cabeça enquanto a olhava - Coitadas das crianças, deveras. - disse mantendo a expressão séria e fiz uma careta ao reparar nas horas - A miúda vai matar-me. Ok não porque é só uma adolescente mas se pudesse matava-me. - falei para mim próprio antes de bater à minha porta - Uma vizinha nossa está a tomar conta do Tommy e tem de ir estudar. - expliquei-lhe rapidamente.

- É à prova de crianças, já te disse. Não te preocupes, também não chegas lá. - provoquei com um meio sorriso. Mal a porta foi aberta vi a expressão semi-aborrecida da Tamara e se ficássemos sem ela como ama de emergência para o Tommy, a Kim matava-me - Desculpa! - pedi-lhe rapidamente enquanto tirava o dinheiro da carteira e lhe dava aquele que era combinado e mais algumas notas - Obrigado, Tam.
- De nada, Wade. - disse ela sorridente antes de olhar para a Daisy - Olá. - cumprimentou-a rapidamente antes de passar por nós - Ele está a dormir a sesta. Até amanhã. - despediu-se antes de começar a correr escadas a cima.

- Crianças responsáveis. - respondi com um encolher de ombros - Ao contrário de ti que preferes impedir as pessoas de entrar no prédio. - disse com um sorrisinho provocador - Tens de ir para casa? - perguntei apontando com o queixo para a porta atrás dela.

Não sabia daquela parte da história da Daisy e senti-me logo mal pela brincadeira que correu mal - Mas podes sempre voltar a estudar. - disse-lhe sorrindo - Se é mesmo isso que queres nada te impede de o fazer. Ainda és nova, vais a tempo. - voltei a sorrir quando ela disse que o idiota não estava em casa - Ainda bem. Queres entrar? - perguntei abrindo mais a porta - Prometo que não te volto a fazer cócegas e que mantenho o armário das armas fechado. Só tens de me aturar a mim - coisa que adoras fazer - e ao Tommy se entretanto acordar.

Queria dizer que o namorado dela era um verdadeiro idiota e queria dizer-lhe que ela não tinha de estar com ele, merecia muito melhor do que aquilo, mas sabia que nada disso era da minha incumbência e ainda a podia deixar chateada por isso pressionei os lábios com força e mantive-me calado - Então anda dai. - disse forçando-me a sorrir enquanto lhe abria a porta de forma a que ela conseguisse passar.

- Devia ter-te fechado a porta na cara. - bufei ao lembrar-me o que ela me tinha feito à entrada do prédio momentos atrás. Fechei a porta com o pé e apontei-lhe para a sala já que ali podíamos falar mais à vontade sem incomodar o Tommy e tinha lá o intercomunicador e podia sempre dar conta caso ele acabasse por acordar.

Não tinha voltado a ver a Daisy depois daquele jantar mas apesar disso não tinha parado de pensar nela já que mesmo que conseguisse fazê-lo, o Tommy não me deixava, sempre a perguntar quando seria a próxima vez que a veríamos. Tinha falado com a minha irmã sobre ela e apesar da irritação inicial da Kimmy por ter deixado uma estranha aproximar-se do filho, tinha acabado por ficar preocupada e senti-me mal quando vi nos seus olhos que ela estava a recordar o nosso passado e tudo o que tinha acontecido connosco em crianças. O problema era que a Daisy não queria ajuda e por isso não havia muito que pudessemos fazer.
O Tommy ia passar a noite em casa da Jane, ele já se tinha habituado a dormir as sextas em casa da "avó" e por isso já não havia quem o conseguisse demover daquela ideia e a Kim ia trabalhar por isso estava novamente sozinho no apartamento. Noutra ocasião estaria a passar aquele tempo com a Daisy, agora só podia tentar distrair-me e não levar os meus pensamentos a divagar sobre o que o idiota do namorado dela lhe podia estar a fazer.
Procurei as chaves de casa no bolso e estava prestes a abrir a porta da entrada quando ouvi aquela voz atrás de mim - Wade?
Rodei nos calcanhares e fiquei alguns segundos a olhar para a rapariga que estava à minha frente. Não a via há anos uma vez que a última vez que a tinha visto tinha sido antes de me afastar da minha mãe, daquele bairro e de toda aquela vida - Petra. - ela continuava igual mas agora com traços mais adultos no seu rosto - O que é que estás aqui a fazer? - perguntei apanhado de surpresa pela sua presença ali, tão longe de casa.
- Falei com a Jane, ela disse-me onde moravas. Não te preocupes, a tua mãe não vai saber a morada por mim. - apressou-se ela a dizer e limitei-me a assentir com a cabeça - Hm.. eu precisava da tua ajuda, Wade... Desculpa, eu sei que já não temos nada e nunca mais falámos mas.. Desculpa, isto foi uma péssima ideia. - disse ela pronta a virar costas mas agarrei-lhe no braço impedindo-a de se afastar.
- Não vás embora, anda, vamos falar. - deixei que ela se agarrasse ao meu braço enquanto abria a porta do prédio.

Incrivelmente Joe decidira ir sair com uns amigos para ir fazer surf ou algo do tipo, surpreendendo-me quando me acordou calmamente, dizendo que só voltaria só no dia seguinte, já de tarde, e para eu aproveitar a minha folga. Aquilo tudo era demasiado estranho, mas fazia-me lembrar o Joe de antes.
A minha folga acabou por ser aproveitada para dormir mais algum tempo, arrumar a casa e, já depois de jantar, sair para fazer as compras, já que pouca comida tínhamos em casa.
Depois de todas as compras estarem arrumadas e eu me sentir aborrecida em casa, sem mais nada para fazer, acabei por voltar a sair, passando as horas seguintes a caminhar a cidade e explorando áreas que eu não conhecia.
Estava a caminhar distraidamente para a entrada do prédio quando, em frente à porta, vi Wade e uma rapariga. Não conseguia ouvir o que falavam, mas conseguia ver o braço dela ligado ao braço de Wade, uma forma confortável e... familiar.
Engoli em seco, recusando-me a deixar-me afetar por aquilo, e caminhei ainda mais lentamente, tentando dar tempo de que eles entrassem sem repararem em mim, apesar de eu nem estar muito afastada da entrada.

A minha cabeça estava uma confusão naquele momento. Não via a Petra há anos e agora ali estava ela, com uma expressão preocupada que nunca antes lhe tinha visto, o que só me deixava a mim preocupado e curioso com o que se estaria a passar. Mas ao mesmo tempo sentia-me nervoso. Sabia que era nunca diria à minha mãe onde é que morávamos mas isso não impedia que por algum motivo ela viesse a descobrir. Se uma pessoa do meu passado o tinha feito, a minha mãe não teria a menor dificuldade em fazê-lo também e precisava de a manter o mais longe possível de mim, da Kim e do Tommy.
Estávamos a entrar no prédio quando o meu olhar parou na Daisy que estava a aproximar-se e por isso fiz sinal à Petra para que fosse andando até à porta do meu apartamento enquanto mantinha a porta aberta para a Daisy. Devia manter-me afastado dela como tínhamos feito naqueles últimos dias mas estranhamente era-me difícil fazê-lo.

Quase gritei quando, pelo canto do olho, consegui ver Wade entrar, depois da rapariga, e segurar-me a porta. Ele não me deveria ter visto. Ou então deveria fingir que não o tinha feito. Era assim que devíamos funcionar agora, certo?!
Aproximei-me da porta e levei a mão ao vidro da mesma, levantando finalmente o olhar para encarar Wade.
- Obrigada. - disse baixinho, perdendo-me nos seus olhos. Como é que era possível eu ter saudades de alguém de quem pouco conhecia?

Mantive o meu olhar fixo nela mais tempo do que era suposto até finalmente conseguir responder um simples - De nada. - e largar a porta. Queria perguntar como é que ela estava, saber se o idiota lhe tinha voltado a colocar as mãos em cima e parte de mim queria perguntar-lhe e dizer-lhe que tinha saudades de passar tempo com ela. Mas não podia fazer isso. E por favor, não a conhecia assim há tanto tempo quanto isso, estava apenas a ser atraído - novamente - para alguém que me fazia recordar tão bem o meu passado, passado este que parecia não conseguir largar - Tem uma boa noite. - disse com vontade de revirar olhos a mim próprio.

Não conseguia perceber quem ganharia um desafio daquele que se sentia mais desconfortável e sem saber o que dizer naquele momento. Ele largara a porta, mas não se movera, e eu acabei por largar a mesma também, só voltando à realidade com o barulho da mesma a bater, fechando-se.
- Hmm... - murmurei, atordoada. - Tu também. - olhei rapidamente para a rapariga que estava em frente à porta do seu apartamento. - Aproveita a companhia. - dei por mim a dizer num tom um bocado frio, sem saber bem porque razão. Ele fora rápido a arranjar uma nova amiga. Ou algo do tipo. Já que eu nem podia afirmar que alguma vez tenhamos sido amigos, sequer.

Sabia que a Petra devia estar à porta do meu apartamento a olhar para nós enquanto esperava que eu lhe abrisse a porta e mesmo assim não me importei. Ela precisava de um favor meu e mesmo assim não conseguia pensar em mais nada a não ser saber o que se passava com a Daisy. Estava prestes a afastar-me quando ouvi o seu último comentário, fazendo-me recordar a Petra - É uma amiga. - dei por mim a responder apesar de não ter de lhe dar qualquer justificação.

Não esperava que ele me respondesse alguma coisa quanto ao meu infeliz comentário sobre a companhia. E também não esperava um tom tão normal.
Assenti lentamente, sem deixar de o olhar e suspirei.
- Sim, tudo bem. Pode ser o que tu quiseres. - acabei por dizer, tentando manter um tom de voz calmo e que não denunciasse nada além de normalidade. Não conseguia compreender porque me estava a sentir tão magoada naquele momento.
Acabei por me aperceber que estar ali parada em frente à entrada do prédio era uma estupidez e dei passos pequenos em frente, dirigindo-me para a porta do meu apartamento lentamente.

Ia responder-lhe mas a verdade é que não sabia o que lhe dizer e também não havia muito mais para dizer. Cada um tinha seguido a sua vida e assim como ela tinha voltado para o idiota agressivo sem que eu pudesse fazer nada, eu podia dar-me com quem quisesse sem que tivesse de pensar nela. Forcei-me a caminhar em direção à minha porta, o que não melhorava as coisas uma vez que éramos vizinhos mas abri finalmente a porta à Petra, fazendo-lhe sinal para entrar para depois, sem conseguir evitar, voltar a olhar para a Daisy.

Procurei pelas chaves no bolso das calças e peguei nas mesmas, colocando a chave correta na fechadura. Não sabia porque estava tão lenta, mas estava a irritar-me comigo mesma só por causa disso.
Abri a porta já depois de ter ouvido a porta de Wade ser aberta, mas não fechada. Olhei rapidamente na direção do apartamento de Wade, com esperança de não ter ali ninguém para ver, mas estava errada. Ele estava ali, a olhar para mim também.
Suspirei e abri a porta finalmente, assustando-me quando ouvi uma coisa qualquer partir. Arqueei o sobrolho e liguei a luz, ainda sem entrar, vendo um vaso no chão.
- Que porra. - resmunguei alto demais, confusa.

Estava prestes a entrar em casa quando ouvi um estrondo vindo da casa da Daisy e ela ainda nem sequer tinha entrado. Juntei as sobrancelhas e disse à Petra para se ir sentar no sofá e que eu não demoraria muito antes de me voltar a aproximar da Daisy - Está tudo bem? - perguntei preocupado. Se o idiota estivesse a partir coisas em casa não a ia deixar sozinha com ele.

Assustei-me novamente quando ouvi a voz de Wade, mesmo atrás de mim.
- Hm... Não sei. - disse confusa, colocando um pé para dentro de casa. - Eu acho que a casa está assombrada. - acabei por dizer lentamente, apontando para os cacos no chão.
Aproximei-me da porta da sala e espreitei para a mesma, vendo as cortinas serem abanadas pelo vento. Suspirei e aproximei-me, fechando rapidamente a janela.

Não queria deixar a Petra sozinha no meu apartamento porque apesar de confiar nela a verdade é que faziam quase quatro anos desde a última vez que a tinha visto. E ela também não parecia nada bem quando me tinha falado há momentos por isso o que tinha para me dizer devia ser importante. Mas aqui estava eu... - Ele está em casa? - perguntei tentando conter o meu tom de irritação e segui atrás dela enquanto entrava, notando que era a primeira vez que metia ali os pés e pronto para atacar caso houvesse ali algum intruso.