Entrada

Deixei a nossa pequena brincadeira morrer porque, naquele momento, tudo o que eu conseguia fazer era reler aquelas linhas, tentando pensar em algo que fizesse sentido.
- Eu... - abanei a cabeça e olhei para Wade, confusa. - Ele é demasiado burro. - acabei por admitir, apontando o nome de Joe na carta, e estendendo a mesma na sua direção para que ele a pudesse ver, já que eu nem sabia o que dizer sem, de alguma forma, ofender Joe. O meu choque não se tratava só por eu agora pensar que ele andava a ter alguém fora da nossa relação, mas também era o facto dele ter dado a minha morada para receber a prova da sua infidelidade.

Juntei as sobrancelhas novamente e agarrei na carta que ela me estendia, lendo na diagonal toda a informação que ali estava. Não sabia muito bem o que lhe dizer. Nunca o tinha achado boa peça e isto só vinha provar o que eu sempre tinha pensado - Estás bem? - acabei por perguntar.

Semicerrei os olhos e abanei a cabeça, ainda tentando perceber o que se estava a passar.
- O que me choca mais é ele ter mando isso para aqui. - admiti, confusa. - E quem raio vai pagar isso? Ele nem sequer trabalha e se tirar da conta dele... - abanei a cabeça. - Digamos que o saldo fica negativo. - confidenciei. - Tenho mesmo sorte. - ironizei, voltando a encostar-me à parede, sem conseguir acreditar naquilo.

Tentei pensar em tudo mas a verdade é que não tinha grande conhecimento naquilo, ainda assim tentei - Vocês têm as contas em nome dos dois? E o apartamento? - perguntei tentando ser o mais prático possível - Talvez seja melhor separares as tuas coisas das dele. Não vá ele ter várias dividas e tu ficares também mal.

Olhei para ele, sem conseguir compreender como é que ele estava tão racional. Quer dizer, até compreendia. Era eu quem estava confusa com tudo aquilo.
- Não. Temos tudo separado. - admiti. - Hm... - respirei fundo. - Os meus pais... - abanei a cabeça. - Eles disseram para nunca pôr nada que fosse meu em nome dele. E vice versa. - acabei por dizer. - Mas ele sabe o código e... - arregalei os olhos aquele pensamento. - Wade, eu não me lembro da última vez que confirmei o saldo. - admiti.
Nem pensei duas vezes antes de pegar nas chaves de casa e correr para a minha porta, apressando-me a ir buscar o meu portátil para entrar pela internet.
- Podes entrar. - disse alto para Wade ouvir, enquanto eu esperava que o computador ligasse.

Assenti com a cabeça ao ouvi-la - Volto já. - disse-lhe, indo rapidamente a casa para ir buscar o Will antes de entrar no seu apartamento. Fechei a porta atrás de mim e sentei-me no sofá enquanto ela via o portátil - Então? - perguntei sentindo-me nervoso por ela - E quanto ao apartamento? Está em nome de quem?

Assustei-me quando Wade entrou no meu apartamento, mas logo respirei fundo ao notar que era ele, trazendo William.
- Estou a abrir. - disse, indo à internet e fazendo login. Comecei a navegar pelo site, abanando a cabeça à medida que via alguns pequenos gastos que eu não me lembrava de ter feito. Nos detalhes, logo me fui apercebendo que eram gastos de Joe. - Nada demais separadamente. Tudo junto? Cerca de trezentos e cinquenta dólares. - suspirei e peguei no meu telemóvel, confirmando as horas. Era de manhã em Inglaterra, pelo que os meus pais deveriam estar a acordar. - No meu nome. Ele não tinha rendimentos nenhuns para pedir um empréstimo, sequer. - suspirei. - E foram os meus pais que trataram das coisas.
Desbloqueei o aparelho.
- Dá-me um minuto, só vou fazer uma chamada. - pedi-lhe, vendo William a subir para o sofá e sentar-se aninhado no seu colo.
Numa questão de segundos, tinha o telemóvel junto à orelha, enquanto falava com os meus pais e lhes explicava a situação, sem conseguir compreender como é que eu me mantinha tão calma.
- Não. - respondi aos meus pais quando me perguntaram se Joe estava ali, já depois de lhes explicar tudo e terem dito que iam entrar em contacto com o banco imediatamente. - Não, eu não preciso que vocês venham cá. - suspirei. - E já viste o tempo de viagem? É desnecessário. - insisti. - Como quiserem, então. - cedi, despedindo-me deles e desligando a chamada. - Ajudas-me a fazer as malas? - virei-me para Wade, sem esboçar qualquer expressão, para não lhe dizer exatamente que malas é que eu ia fazer.

Deixei-a a tratar das coisas e fiquei a tomar conta do Will que estava demasiado irrequieto por ter ficado todo aquele tempo sozinho e mesmo agora ninguém lhe estar a ligar nenhuma. Olhei para a Daisy quando ela acabou a chamada - Então? - perguntei preocupado - Vais para Inglaterra ou são as malas do traste? - perguntei não me conseguindo controlar e chamá-lo pelo nome.

Olhei para ele e encolhi os ombros levemente, fazendo uma careta.
- Não são as minhas. - confirmei calmamente. - É aproveitar enquanto estou com coragem. - avisei, fechando o portátil e virando costas para ir até ao quarto, onde procurei pela mala preta de Joe. - Eu acho que devia mudar a fechadura amanhã. - acabei por pensar em voz alta.

Pousei o Will no chão e ele rapidamente foi até ao espaço dele, distraindo-se com um boneco que ali tinha pelo que me levantei e segui a Daisy - Eu ajudo-te. - tinha demorado mas finalmente podia respirar de alívio por não me ter de preocupar com ela nas mãos do outro idiota - É melhor não vá ele voltar e haver alguma desgraça.

Pousei a mala preta em cima da cama e olhei para Wade, fazendo uma careta.
- Não é como se isso o fosse proibir de alguma coisa, sinceramente. - resmunguei, revirando os olhos logo de seguida.
Abri as portas do armário e apontei para um lado.
- Este é o lado dele. - avisei, logo começando a tirar coisas e pôr para dentro da mala, nem querendo saber se estava tudo impecável ou não, desde que quase tudo tivesse lugar ali, já que ele só tinha aquela mala. O resto teria que ficar em sacas e que ele que se arranjasse com isso.
Naquele ponto, tudo o que eu conseguia pensar era como eu tinha sido uma idiota que o tinha perdoado facilmente, mesmo sem nenhum pedido de desculpas, fechando os olhos aos seus defeitos, só por ter pena que ele fosse ficar sozinho.

- Claro que vai porque qualquer coisa eu estou mesmo do outro lado e venho cá. - não ia deixar que nada lhe acontecesse e muito menos às mãos daquele idiota. Assenti com a cabeça e comecei a tirar as roupas dos cabides, atirando as mesmas sem qualquer cuidado para dentro da mala aberta em cima da cama - Tenho um amigo que te consegue mudar a fechadura logo de manhã e não fica muito caro. Queres que te dê o número?

Sorri-lhe, agradecida.
- Desculpa por aquilo no hospital. - pedi novamente, soltando um suspiro. - Não queria ter-te acusado de nada. Eu nem sei o que estava a pensar. - suspirei novamente, abanando a cabeça.
Fui às gavetas, mandando as coisas para a mala, reunindo depois algumas coisas dele que não eram roupa, pondo na mala até esta estar cheia. Assim que tal aconteceu, fui buscar uma saca grande do lixo, colocando o resto das coisas lá dentro.
- Sim, se não te importares. - sorri para Wade. - Mas tem que ser antes de eu ir trabalhar. A menos que entres mais tarde do que eu, dependendo do teu horário, não sei, e depois possas ficar com as minhas chaves.

- Não tem problema. - disse honestamente - Não estavas bem e eu estava ali, era um ótimo saco de boxe. Outro dos teus fetiches? - perguntei com um meio sorriso tentando aligeirar o ambiente em que nos encontrávamos. Ajudei-a a despachar o resto das coisas do idiota - Já te dou o número dele e logo se vê como dá mais jeito.

Olhei para ele por momentos, séria, e assenti, aproximando-me lentamente dele. Suspirei e coloquei-me de bicos de pés, colocando os meus braços no seu pescoço, e encostei-me a ele, abraçando-o.
- Muito obrigada. - murmurei, fechando os olhos. - Por tudo. - acrescentei. - E para de dizer que tenho fetiches contigo. - ri-me contra o seu ombro.
Assenti relativamente ao que ele disse sobre o contacto com o seu amigo.

- Não tens de agradecer. - disse-lhe retribuindo o abraço e soltei uma gargalhada ao ouvi-la - Lamento mas é a verdade. - afastei-me dela e agarrei na mala que era o mais pesado - Traz os sacos, vamos pôr esta tralha toda lá fora e depois disto tens de comer alguma coisa para recuperar energias. - disse-lhe saindo do seu apartamento para ir colocar a mala à entrada do prédio.

Confirmei pelo apartamento que não havia mais nada dele e assenti quando Wade falou que ia levar a mala.
- Dá-me um minuto. - pedi calmamente, dirigindo-me ao sofá onde estava a carta com a divida do hotel. Peguei depois num lápis e, no envelope, escrevi: "Por favor, não tentes entrar em contacto comigo. Leva as tuas coisas, paga as tuas dívidas e vive a tua vida como se eu nem existisse. Farei o mesmo. Daisy".
Coloquei o envelope em ordem e peguei nas sacas, saindo do apartamento e indo até à entrada. Coloquei o envelope colado na mala e virei-me para Wade. 
- Pronto. - disse baixo.

Esperei que ela fizesse o que tinha a fazer quando voltou a apartamento e assim que voltou com o resto, olhei-a com um sorriso - Bem, isto está despachado. - sentia-me muito mais calmo agora que não me tinha de preocupar com ela e com aquela relação - Vamos comer alguma coisa e vou dar-te o contacto do meu amigo. - disse antes de caminharmos de volta ao seu apartamento.

- Chegámos! - gritei entusiasmada assim que parámos na entrada do meu apartamento - É tão perto e tão giro. - contei-lhe sem perder o entusiasmo que se devia - principalmente e quase apenas - devido ao álcool - Não era giro se fossemos vizinhos? - perguntei apoiando-me nele com os dois braços, o que nos deixava muito próximos - Obrigada Kale. - agradeci sorrindo e estiquei-me para conseguir dar-lhe um beijo na bochecha.

- Eu acho mesmo que tu estás a precisar de dormir... - eu disse como resposta a todas as coisas que ela disse. Tinha mesmo bebido mais do que devia. Baixei-me um pouco, deixando que ela beijasse a minha bochecha e depois olhei para ela. - Bem, acho que estás entregue. Espero que cures essa bebedeira e amanhã acordes bem disposta para o trabalho. - falei meio a rir.

- Hmm tenho de concordar contigo. - disse acabando mesmo por bocejar pois o cansaço era mais do que evidente e agora com o álcool em cima começava a sentir-me ainda sonolenta - Obrigada Kale. - ri com ele e aproveitei para lhe apertar novamente a bochecha antes de me agarrar à porta e tentar marcar o código para abrir a mesma - Espero que tenhas um bom dia também. - desejei abrindo finalmente a porta para o interior do prédio - Adorei este bocadinho Kale. - disse piscando-lhe o olho.

- Boa noite, Maddy. - eu disse simplesmente, deixando uma baixa gargalhada escapar dos meus lábios. Fiquei ali à espera que ela entrasse no prédio, porque enquanto não o fizesse eu ficaria sempre com receio de alguma coisa acontecer, nem sabia porque ficava assim, talvez por viver num bairro problemático, onde coisas más estavam sempre a acontecer.