Entrada

Não sei exatamente como tudo começou, mas, a partir do momento em que eu e Joe fomos viver juntos, já em Sydney, as coisas começaram a mudar. Tínhamos começado a namorar há cerca de três anos, quando eu decidi que queria deixar a Inglaterra e vir para Sydney, um local pelo qual sempre tive um fascínio. Sem realmente saber como, ele acabou a vir comigo, deixando tudo para trás.
Na altura achei romântico. Como se ele fosse a minha sorte grande, um rapaz com qual eu iria ser feliz para sempre. Joe era o meu para sempre.
Mas depois tudo mudou. Meio ano depois de já estarmos num apartamento, eu perdi o emprego que entretanto arranjara, então ele já não podia estar sem fazer nada. Ele teria que trabalhar também.
Os gritos começaram. Ele nem se importava se todos nos ouviam no prédio, ele só gritava. Saía de manhã, voltava à noite, completamente bêbado e a tresandar a álcool. Pensei que fosse acalmar, mas nem por isso. Nem quando estava sóbrio era rapaz que eu tinha conhecido.
- Já te disse que tenho uma entrevista de emprego. Não posso passar o dia na boa vida como tu. - resmunguei, tentando soltar o braço quando Joe me agarrou, já fora de nossa casa. - Larga-me, Joe. - pedi, tentando manter a calma.
- E vais a uma entrevista para quê? Para te dizerem que és inútil? - acusou, rindo-se. - Não precisam! Eu já to digo diretamente. - encolheu os ombros.
Abri e fechei a boca, sem realmente saber o que dizer.
- Eu já arranjei trabalho para ti. Mesmo à tua altura. - sorriu, deixando-me confusa. - Para quê essa cara? - voltou a elevar o tom de voz. - Será tudo o que tu mereces.

Joe entrou no apartamento, deixando-me admirada quando não bateu com a porta, como usualmente fazia.
Ouvi uma voz perto de mim e olhei na direção, vendo o rapaz ainda ali.
- Ahm... - disse lentamente. - Sim, tudo bem. - esbocei um pequeno sorriso. Não sabia exatamente o que dizer, para além de afirmar que tudo estava bem. Era sempre assim.

Assenti levemente e mordi o interior da bochecha por momentos.
- Obrigada. - acabei por dizer, mesmo sabendo que eu não iria bater à sua porta.
Sorri para o pequeno rapaz que estava a olhar para mim.
- Olá. - cumprimentei de forma carinhosa. Tão pequenino e fofo a segurar as cartas contra o peito...

Ri-me quando o pequeno me cumprimentou, correndo depois para a porta que ficava mesmo ao lado da minha. Supus que fôssemos vizinhos, uma vez que eu nunca me tinha cruzado com ninguém, pelo que era bem possível.
Wade apenas confirmou isso quando se apresentou.
- Sou a Daisy. - apresentei-me também, encolhendo os ombros levemente. - Eu... Bem, preciso de ir. Encontramo-nos por aí. - disse, em jeito de despedida. Não tinha muito jeito para socializar com desconhecidos, muito menos com rapazes, já que Joe sempre fora daquele tipo de namorados apegados, que impunham logo limites aos outros. Achava fofo na altura, mas agora percebia que era só uma forma de ele ser mais possessivo.

Sorri para ele.
- Igualmente, Wade. - disse, depois de agradecer uma vez mais quando disse que já sabia se precisasse de alguma coisa.
Observei a criança por uma última vez, acenando-lhe em despedida e sorrindo-lhe.
Parti, então, abandonando o prédio e dirigindo-me para a entrevista de emprego. Não era grande trabalho, tendo em consideração que era num café, que nada tem a ver com o que eu gostaria de fazer no futuro, mas eu precisava mesmo de voltar a trabalhar, ou eu iria viver para debaixo da ponte e Joe culpar-me-ia de tudo.

Assenti e mantive-me silenciosa durante o curto caminho até ao prédio em que ambos vivíamos. 

Assim que chegamos, reparei que todas as luzes das janelas de minha casa estavam apagadas e, de certa forma, isso fez-me soltar um suspiro, sem realmente saber se aquilo me aliviava ou assustava.

- Obrigada pela boleia. - disse para Wade, finalmente quebrando o silêncio que estava dentro daquele confinado espaço.

Caminhei ao seu lado até estarmos no interior do prédio e assenti face às suas palavras.

- Boa noite. - disse baixo.

Aproximei-me da porta do meu apartamento e abri a mesma, assustando-me com a presença de Joe, mesmo a dois metros da entrada. A sua sombra a prolongar-se para os meus pés e para além de mim devido à luz do candeeiro.

- Olá. - disse confusa, ainda sem entrar em casa.

- Chegaste rápido. Um cliente trouxe-te? - perguntou com desdém, aproximando-se mais de mim.

Suspirei e baixei o olhar, entrando dentro de casa e preparando-me para fechar a porta sem lhe responder.

- Responde-me, sua idiota. - resmungou, chateado, agarrando-me no braço e batendo com a porta da entrada.

- Não. - disse-lhe simplesmente e fugi do seu toque, caminhando rapidamente para o quarto e trancando a porta do mesmo.

Assustei-me quando ouvi baterem à porta e prendi a respiração, esforçando para ouvir o que se passava.

Consegue perceber que Joe abriu a porta e depois uma voz masculina falou. Era Wade.

- Está tudo bem. - Joe disse num tom simpático, oposto àquele com que falava comigo nos últimos tempos. - Chegamos tarde e a minha namorada bebeu um bocado demais. É daquele tipo de rapariga que tropeça por todos os lados quando bebe. - apostava que ele estava a sorrir inocentemente enquanto encolhia os ombros. - Desculpa pelo barulho. Não voltará a acontecer.

Levei uma mão à testa e abanei a cabeça, reprimindo o choro e o soluço que me estava preso na garganta.

Wade perceberia. Ele sabia que alguma coisa não estava bem e agora acabara de ter a sua confirmação.

Ouvi a voz de Joe a dizer um simples "Boa noite" e depois ele fechou e trancou a porta. Respirei fundo quando comecei a ouvir os seus passos em direção à porta do quarto e sentei-me na cama, observando a barreira de madeira que nos separava.

- Amanhã voltas a ir. - disse em voz alta. - E é bom que faças um excelente serviço que te traga gorjetas suficientes.

Suspirei e ouvi os passos afastarem-se. Só depois do silêncio reinar na casa é que fui capaz de me mexer, vestindo o pijama e deitando-me, finalmente.

Saí do carro também e olhei para baixo, mordendo o interior da bochecha.

- Eu... Eu quero sair do bar. - suspirei e abanei a cabeça. - Eu nem sei como vou fazer, se conseguir o emprego. Vou precisar de uma imaginação... - desabafei num tom de voz baixo, sem saber se ele estava a ouvir o que eu dizia.

Assenti ao que ele dizia.

- Muito provavelmente. - suspirei e levei as mãos ao cabelo. - Eu nem sei no que raio me estou a meter. - resmunguei, chateada.

Olhei para ele e mordi o interior da bochecha, parando de caminhar para o olhar.

- O que estás tu a sugerir? - perguntei, confusa, num tom de voz baixo e controlado.