Ruby's Diner

Assenti, e estava pronto para ir a seu lado para fora daquele diner, quando a senti aproximar-se. Afastei-me por instinto, mas antes de dizer o que quer que fosse, fitei-a de sobrancelhas juntas.
-Hm... Obrigado. - Murmurei, apoiando o meu braço saudável em cima do seu ombro, tentando também não deitar muito peso sobre ela, para não a magoar. Fechei os olhos com um suspiro, agradecido pela anestesia do álcool, que tanto me impedia de sentir dores tão fortes, como o vento gelado que se tinha instalado na rua. - Não precisavas de fazer isto, nem me conheces. - Quase que me ri, mas limitei-me a esboçar um sorriso mais sarcástico que o habitual. - A única que me costuma aturar é a Gloria.

Assim que senti o seu braço tocar no meu corpo, não consegui evitar que todo ele se contraísse. Não gostava que me tocassem, fazia sempre lembrar-me das coisas que mais queria esquecer, mas mais uma vez, não ia deixar que isso me impedisse de o ajudar. Se bem que ele parecia tanto ou mais incomodado do que eu com toda aquela situação, como se também não estivesse habituado a tanto contacto, ou como se também tivesse receio. Se calhar eu não era a única pessoa com medo naquele lugar, se calhar não era só eu a não me sentir segura onde quer que estivesse. Se calhar. Acabei por enrolar um braço em redor da sua cintura, de modo a conseguir suportar melhor o seu peso e assim que saímos do Dinner, senti as minhas bochechas regelarem, mal a brisa fresca da noite trespassou pelas mesmas.
- Não preciso de te conhecer para perceber que precisavas de ajuda.- murmurei, assim que comecei a ouvir as suas desculpas. Engoli em seco assim que me atrevi a olhar em redor e sem que desse por isso, acabei por encostar o meu corpo nervoso mais ao seu. O escuro da noite assustava-me tanto que a minha vontade naquele momento era fugir o mais depressa que conseguisse para casa e trancar-me lá a sete chaves. Mordi a parte de dentro da minha bochecha com força, sentindo uns suores quentes deslizarem-me pelo corpo e antes que tivesse ali algum dos meus ataques, forcei-me a desviar o olhar e focar-me na sua voz. Precisava de me despachar. Precisava de ir para casa.- parece que agora já somos duas.- respondi-lhe, de forma meio distraída, mas assim que as suas palavras fizeram sentido, virei o meu olhar na sua direcção.- mas isso quer dizer que não é a primeira vez que isto te acontece?

O meu carro nunca ficava estacionado muito longe dali. Era a sorte de ter um carro pequeno e velho que cabia em todo o lado sem problemas. Esperei até ele entrar no carro - ainda não sabia o nome dele... - e conduzi até ao pequeno Diner que não ficava muito longe dali. As ruas ainda estavam desertas devido às horas que eram e abri a porta, mantendo a mesma aberta à espera que ele entrasse. Estava a confiar demasiado num estranho... Que podia ser um assassina em série ou algo do género mas estranhamente não conseguia desconfiar dele. O que me podia fazer acabar morta. Mandei uma mensagem rápida ao Wade e dirigi-me para trás do balcão para tratar dos cafés - Queres mais alguma coisa além do café?

Precisava mesmo de uma boa dose de café já que não sabia quando é que me ia conseguir enfiar na cama. Ia acabar por chegar a casa na altura do Tommy acordar e queria passar algum tempo com ele pelo que só me ia deitar depois disso. Preparei os cafés e enquanto a máquina estava a funcionar apontei para a montra - Tarde de maçã ou de frutos vermelhos? - perguntei-lhe apontando para as tartes à minha frente. Ainda eram do serviço anterior mas mesmo não sendo acabadas de fazer eram uma delicia - Posso também tentar arranjar outra coisa. - disse-lhe rapidamente.

Fui rapidamente desligar a máquina de café antes que o conteúdo dos copos transbordasse e cortei uma fatia de tarde de maçã para ele, colocando as duas coisas à sua frente antes de agarrar na minha chávena de café. Mantive-me do outro lado do balcão, de frente para ele enquanto ponderava na resposta para a sua pergunta. Devia ou não dizer-lhe o meu nome verdadeiro tendo em conta que ele trabalhava no bar e lá todos me conheciam como Chloe, a minha tentativa de esconder a minha verdadeira identidade. Era estranho mas continuava com aquela sensação de poder confiar nele por isso acabei por optar pela verdade - Kimberly mas Kim chega. - respondi decidindo por bem acrescentar - Mas no bar toda a gente me trata por Chloe.

Apesar das várias horas em pé no bar, sentia-me demasiado irrequieta para me sentar por isso deixei-me estar em pé, à frente dele e com a caneca de café nas mãos - TJ. - repeti curiosa com a alcunha mas não lhe ia perguntar nada sobre isso tendo em conta que eu própria sabia a necessidade de ter nomes próprios para o trabalho. Apesar de lhe ter revelado o meu verdadeiro... O comentário dele levou-me diretamente para o que tinha acontecido na praia e bebi um longo gole de café na tentativa vã de afastar os meus pensamentos do seu corpo despido e do momento que tínhamos partilhado - Parece que na altura não calhou. - respondi com um ligeiro encolher de ombros antes de me servir também de uma fatia de tarte.

- pois não calhou de certeza - concordei. Não era como se estivéssemos estado com cabeça para perguntas atrás de perguntas. Aliás, não tiveranos cabeça para mais nada. Os nossos corpos tinham assumido o controlo. - Estás suja com o molho vermelho da tarte - Notei depois de ela ter dado a sua trinca. Espontâneamente, levei o meu polegar até ao canto da sua boca e limpei-o. De seguida lambi o meu próprio dedo - tarte saborosa - coisa parva se se dizer mas era o melhor que arranjava dado a minha mente só estar a pensar no quanto a queria voltar a beijar.

O mundo parecia demasiado pequeno; de todas as pessoas que podiam ter sido contratadas para o bar, ele tinha sido o contratado. Depois de achar que nunca mais o ia ver, ali estava ele novamente. Estava prestes a agarrar num guardanapo para me limpar quando ele o fez por mim, levando o polegar à zona suja e lambendo de seguida o mesmo. Só aquele simples gesto fez com que o meu cérebro se inundasse de imagens impróprias para menores de dezoito anos. Parecia uma miúdinha excitada perto dele e era ridículo - Obrigada. - agradeci o gesto dele e mordi o lábio para conter uma gargalhada com o seu comentário seguinte, tentando também conter os meus pensamentos impuros - Hm não sei se é só da tarte. - acrescentei com um ar inocente enquanto o olhava nos olhos.

Encolhi novamente os ombros e ainda com um sorriso nos lábios quando lhe respondi novamente - É de mim também. - o meu olhar continuava preso no dele e não tinha intenção de o desviar. Havia uma química entre nós que parecia não desaparecer por nada; tinha acontecido na praia e agora estávamos novamente a passar por isso.

Dei outro gole no meu café e acabei mesmo por empurrar a minha caneca e prato para o outro lado do balcão, dando de seguida a volta ao mesmo para me ir sentar ao lado dele. Tinha passado a maioria da noite em pé, precisava de descansar as pernas. Soltei uma gargalhada com a sua pergunta e com a forma como foi feita - Não costumo travar conhecimento- usei as suas palavras - com os meus colegas. E não, só aqueles que têm cara de esfomeados como tu. - provoquei com um sorriso antes de comer uma nova garfada de tarte.

Só quando passei para o mesmo lado do balcão que ele é que percebi que se calhar teria sido melhor ideia se não tivesse ido para ali. O balcão deixava alguma distância entre nós enquanto que agora estava a poucos centímetros de ter os nossos joelhos a tocarem-se. Tínhamos sido tão intensos e espontâneos na praia que não sabia bem onde é que aquilo podia acabar... Tentei concentrar-me no que ele dizia e assenti com a cabeça - A última coisa que pensava era voltar a ver-te lá no bar. Ainda mais a trabalhar lá. Quem diria que íamos ser colegas de trabalho.

Kimberly emitia algum tipo de magnetismo. Só podia ser isso. Eu tinha de mr lembrar que estava ali em trabalho mas ao mesmo tempo a proximidade a ela toldava-me o raciocínio. - É um mundo pequeno pelos vistos - Concordei. Restava saber como lidar com a coincidência - Obrigado pela oferta de boas vindas - Acabei por agradecer depois de pigarrear antes que caissimos num silêncio intenso e constrangedor.

Era sem duvida algum. Acabei a minha tarte e levantei o olhar para ele quando me agradeceu e encolhi os ombros com um meio sorriso - É só tarte e café. - disse-lhe divertida - Mas de nada. - acrescentei agarrando na louça suja e colocando a mesma no lava-loiças - Eu deixo-te nervosa? - perguntei por cima do meu ombro com um sorriso nos lábios.

- Tarte e café a estas horas das madrugada depois de um turno no club sabe mil vezes melhor. Por isso limita-te a aceitar o meu humilde agradecimento por favor - sorri divertido. Semicerrei  um pouco os olhos quando ela me fez aquela pergunta - Porque achas isso? - podia entender porquê.  Não era que estivesse nervoso...ou estava? Ninguém me deixava nervoso.

- Pronto, esta aceite. - disse rindo enquanto acabava de arrumar a louça para a deixar limpa e arrumada no seu sítio. Voltei a aproximar-me do balcão, colocando-me novamente frente a frente com o TJ e encolhi os ombros - Não sei, pareces nervoso. Sou assim tão intimidante? - perguntei fingindo uma expressão chocada.

Estava obviamente a gozar com a minha pergunta por isso fui apanhada de surpresa quando ele confirmou aquilo. Soltei uma gargalhada surpresa e olhei-o - A sério? Porquê? - perguntei fazendo um sorriso adorável de seguida - Sou tão querida e tu dizes que sou intimidante? Depois de te oferecer café e tarte? - acrescentei.

Abri a boca ao ouvir o seu comentário mas acabei mesmo por me rir com aquilo - Sou assim tão assustadora a comer? E eu que pensava que até comia com alguma classe. - classe era certamente algo que não tinha mas ainda assim não parecia uma selvagem a comer - Isso são só desculpas para te voltares a aproveitar de mim e limpares-me a boca. - disse com um ar espertinho recordado o que ele tinha feito há momentos.