Sydney Harbour National Park

Levantei a cabeça ao perceber que íamos de novo entrar numa discussão. Após uma semana, já estava tão cansado de todo o drama que existia na minha vida, ainda nem tinha feito bem o luto, só me tinha focado em mudar para a minha cidade natal e começar a investigar o que tinha acontecido com eles. Porque, o que quer que tivesse acontecido em França, vinha desde aquele dia na Austrália.
- Estás a dizer que preferias que tu tivesse ido embora sem explicação só porque sim? - Perguntei, provavelmente de cabeça quente e sem raciocinar bem as suas palavras. Acabei por me levantar, já que ela estava de costas para mim, e fui para a sua frente. - Não sou assim tão idiota, Alessia. - Adiantei-me antes que ela falasse. Depois do dia de ontem e de estarmos numa situação de impasse na nossa relação, a minha cabeça ia explodir. - Não vou voltar a tentar explicar tudo o que aconteceu comigo naquele dia. A vida foi uma merda para nós os dois e eu compreendo que estejas chateada, eu próprio estou, mas já me sinto culpado o suficiente por ter ido. - Cerrei o maxilar. Mal tinha chorado no dia em que o meu irmão morrera, não ia ser ali. - Eu não queria ir. - Disse depois, mais calmo.

Senti o exato momento em que o ambiente mudou para ainda pior do que estava. Fora ele quem quisera saber dos rumores, fora ele quem me perguntara em quê que eu acreditava...
Estremeci ao ouvir a sua voz e fechei os olhos. Senti-o mover-se mesmo ao meu lado, mas eu não me mexi. Não me poderia mexer. Não conseguia mexer-me, na verdade.
Permaneci em silêncio, sabendo que ele estava à minha frente, e, muito provavelmente, com os olhos postos na minha figura paralisada.
- Não, Roy. - acabei por conseguir obrigar-me a dizer. Mantive os olhos fechados. Mantive a posição em que me encontrava.
Concentra-te. Fala. Respira.
- Preferia que não tivesses ido embora. Preferia que as coisas tivessem continuado como estavam. - mantive a voz neutra, quase robótica. - Preferia que nunca tivessem acontecido coisas que levassem a conversas como esta.
Ele não tinha noção do quanto eu me tentava controlar, principalmente depois de saber as razões que o levaram de volta à Austrália. Ele não sabia o que era viver na minha pele. Ele não sabia o que é que aquele afastamento me tinha causado. E eu não conseguia dizer-lhe. Não quando parecia nada comparado com tudo o que ele parecia ter passado. Não quando ele perdera metade da sua família.

Não me sentei, ainda estava em pé a olhar a sua figura petrificada; ela parecia uma estátua enquanto eu falava. As pessoas que passavam talvez pensassem que eu estava a ser bruto, o que talvez estivesse, e poderiam estar a ver a situação fora de contexto.
- Mas eu fui embora. - Não estava a gritar, era mais um sussurro que outra coisa, mesmo estando mais afastado do que queria. - Eu fui embora, as coisas mudaram e estamos a ter esta conversa! Não podemos mudar nada. - Fechei os olhos e respirei fundo. Não sei fazer nada bem. Esta conversa só estava a piorar a minha situação com ela, em vez de a melhorar como eu desejava. - Não sei resolver isto - murmurei, mais para mim do que para ela, dando um passo para trás. Fitei-a, observei os seus olhos e abanei a cabeça. - Eu vou para casa, eu não sei resolver isto. - Repeti - falamos amanhã, depois. Quando quiseres. - Estava com tanta raiva de mim próprio que nem conseguia dizer nada com sentido, portanto, virei costas antes que ela me impedisse e acabasse por dizer coisas que não queria, de novo.

Abri os olhos quando o ouvi contradizer os meus desejos com factos. Sim, ele fora embora. Sim, agora estávamos a ter aquela conversa.
- Foste tu quem perguntou. - acusei, abanando a cabeça.
Os seus olhos cruzaram-se com os meus e eu desviei o olhar, incapaz de o sustentar. Ele estava confuso, tanto quanto eu.
Talvez aquilo não tivesse solução.
Talvez o momento em que ele fora obrigado a deixar a sua vida para trás, qualquer tipo de ligação entre nós também ficar abandonada.
Não esperava que vê-lo afastar-se me fosse doer tanto como realmente doeu. Eu já deveria estar habituada, naquele momento. Independentemente de existir um "amanhã" ou não.
Fiquei por ali, já longos minutos depois de ele ter ido. Ao perceber que havia uma pessoa do outro lado do rio, a olhar-me fixamente, acabei por ficar desconfortável e fui embora, dirigindo-me para casa.

Quando cheguei a casa dos meus pais, fui logo recebido com gritos de entusiasmo por parte de Charlie e Liam. Os pequenos encontravam-se sentados no chão, mais adoráveis do que nunca, e estavam animados.
- Qualquer coisa, liguem-nos. - ouvi a minha mãe dizer, já depois de termos colocado nas crianças nos carrinhos e de ter recebido as típicas malas, para que eles pudessem ficar em minha casa durante o fim de semana. - Chegarei primeiro do que o pai, mas sabes que prefiro arrumar tudo antes de ter estes pequenos por aqui. - brincou, apertando as bochechas dos meus irmãos mais novos.
Ri-me das suas caretas e despedi-me da minha mãe e do meu pai. Ethan estava no carro, esperando-os para os levar até ao aeroporto, e depois iria ter comigo ao parque, já que era perto da casa dos meus pais.
Depois de ir deixar as malas no carro, percorri o passeio, empurrando o carrinho enquanto ouvia os meus irmãos com as suas palavras inventadas. Poucas eram aquelas que eles eram capazes de dizer.



- Muito bem, pestinhas... - comecei, parando o carrinho na relva verde e accionando os travões do mesmo. Baixei-me para conseguir pegar numa grande manta, preta e branca, e estendi a mesma sob a relva. - É bom que se comportem, ou ficam presos nessas cadeirinhas para sempre. - ameacei com um sorriso, enquanto os desprendia dos cintos e os sentava no meio da manta. Logo os seus brinquedos estavam a acompanhá-los.
- Oah! - Charlie gritou, animada, na sua tentativa de dizer "Noah". 
Olhei para ela e ri-me, sentando-me ao lado dos dois para os observar a brincar.
- Oah, Oah! - agora era Liam a chamar-me à atenção, caminhando desajeitadamente até mim e mandando-se para as minhas pernas. - Quack! - gritou, divertido, apontando para o lago que se encontrava a alguns metros de nós.

Depois de uma noite de festa, a única coisa que me apetecia era relaxar. E para relaxar, nada melhor do que pegar no meu diário gráfico e sair de casa, para desenhar. Assim, vesti um simples vestido, apanhando o meu cabelo numa trança e saí de casa, passando pelo café ao fundo da rua para comprar um croissant e um cappuccino para levar. Ia para o meu parque favorito de todos os tempos. E apesar de o meu dia de folga já ter acabado, o dia de hoje tinha tudo para ser um bom dia. Assim que lá cheguei, dirigi-me até ao meu banco de sempre, um que ficava bem pertinho do lago, e fiquei apenas a observar tudo ao meu redor, terminando o meu pequeno almoço.

Foi uma questão de segundos para que Charlie também estivesse mais atenta aos patos do que ao boneco que segurava, e agora deixava cair em cima da manta.
- Oah. Quack! - também repetiu, ainda mais alto do que Liam. - Quack! - riu-se, levantando-se de forma trapalhona e tentando caminhar até lá. 
Suspirei dramaticamente e segurei Liam com cuidado, esticando-me o suficiente para conseguir puxar Charlie para a nossa beira, sem fazer qualquer força que a fosse magoar.
- Oah! - choramingou, dando-me um pequeno murro no ombro, sem qualquer força. Conseguia ver o lábio inferior a subir, formando um beicinho que anunciava a sua intenção de começar a fazer uma birra. Segundos depois, a mesma expressão estava a ser imitada por Liam.
- Para a próxima é o Ethan quem fica sozinho com vocês. - resmunguei na brincadeira, abanando a cabeça e apertando-os contra mim.
- Oah, Oah. - Liam disse, abanando a cabeça. - Etha. Oah. - sorriu de forma brilhante, como se tivesse acabado de fazer um grande discurso. 
Ri-me da sua expressão e abanei ligeiramente a cabeça. Fiz um esforço para me levantar sem que eles conseguissem escapar e depois pedi, calmamente, que pegassem nos seus brinquedos para que os guardassem no carrinho. Ficaram tão animados ao perceber que nos íamos aproximar dos patos, que até começaram a puxar a manta também.
Voltei a rir-me com o simples entusiasmo deles e coloquei a manta em cima dos assentos, sem me preocupar em dobrá-la, já que sabia que a voltaríamos a utilizar.
Dei um pequeno jeito para destravar o carro e empurrei o mesmo, com os gémeos apoiados na plataforma que os fazia lembrar um skate. Tive cuidado para os manter seguros e equilibrados pelos poucos metros que percorremos.
- Regras... - disse para as crianças, depois de voltar a travar o carrinho. - Nada de ir para a água ou andar longe do Noah, sim? - perguntei, vendo os pequenos a assentir.
- Etha? - Charlie perguntou, olhando-me atentamente.
Informei-a que logo ele chegaria e vi um sorriso a desenhar-se nos seus pequenos lábios.

Assim que terminei de comer, deitei a embalagem e o copo no lixo e voltei a sentar-me, pousando o meu diário em cima das pernas, para começar a desenhar. Desde que me tinha mudado para Sydney que gostava de ir para aquele parque, sentar-me naquele banco e desenhar a minha natureza. Fossem só pedras, ou os patos que todos os dias passeavam por aquele lago, eu gostava de desenhar ali. Acabava por ser o meu refúgio a todos os pensamentos e problemas. E por falar em pensamentos, estava bastante perdida nos meus quando senti umas mãos pousarem-me nas pernas, fazendo-me despertar. Levantei ligeiramente as sobrancelhas, procurando com o olhar a possível pessoa, mas rapidamente tive de o baixar, ao perceber que quem me tocava era uma criança. Ou melhor, um bebé. Arregalei os olhos, apressando-me a pousar o caderno no banco e debrucei-me para agarrar na criança, recebendo o seu sorriso babado de volta.
- Então, pequenina, estás perdida? - ajeitei os seus cabelinhos, olhando depois em volta, numa tentativa de encontrar os seus pais.

Estava tão distraído a segurar em Liam para que ele não escorregasse que, quando levantei o olhar, vi Charlie a alguns metros de distância, a aproximar-se de uma rapariga que estava sentada no banco de madeira. 
Peguei rapidamente no meu irmão ao colo e aproximei-me, engolindo em seco quando finalmente percebi quem era a rapariga com quem Charlie tinha ido ter.
- Lie! Lie! - Liam gritou no meu colo, chamando a atenção de algumas pessoas que passam. O pequenino apontava na direção da irmã, para o exato local para onde eu me encaminhava.
- Oah. - ouvi a voz de Charlie dizer, enquanto mexia as mãos e tentava explicar alguma coisa. Assim que a voz de Liam lhe chegou aos ouvidos, ela virou-se no colo de Kaylee. - Li. Oah. - chamou, animada, pousando as mãos nas suas próprias bochechas.
Abanei ligeiramente a cabeça e parei de andar, a cerca de um metro de distância delas.
- Peço desculpa. - disse simplesmente para Kaylee, sem realmente a olhar, já que os movimentos da minha irmã me estavam a roubar toda a atenção. - Charlie, nós tínhamos regras. - fiz uma careta, controlando o meu sorriso quando os seus pequenos braços se encolheram contra o seu peito, numa tentativa falhada e adorável de cruzar os braços. - 
Pede desculpa à menina por a teres assustado. - disse, uma vez que eu tinha reparado na expressão de Kaylee.
Charlie virou-se rapidamente para Kaylee com olhos culpados.
- De'cu'pa. - pediu, fazendo beicinho.

Tinha que confessar que me sentia um bocado assustada com esta situação. Afinal de contas, não era todos os dias que uma criança me vinha parar assim aos braços. Ainda assim, estava decidida a entrega-la aos pais.
- Ok, princesa, eu sei que não me vais dizer grande coisa.- olhei para os seus olhos azuis.- mas eu prometo que te vou levar de volta para os teus papás.- e antes que eu tivesse tempo de começar a andar pelo parque, à procura da sua família, o olhar da criança rapidamente se prendeu numa outra voz. Fiz uma pequena careta, tentando seguir o seu olhar, e a minha confusão só aumentou quando vi Noah aparecer do nada, com outro bebé ao colo.- mas que raio...? - sussurrei apenas para mim, vendo-os aproximar, e foi-me impossível disfarçar o meu ar confuso. Num sítio tão grande como aquele, quais eram as probabilidades de eu encontrar Noah? Mais, quais eram as probabilidades de aquele bebé me encontrar? Levantei o olhar para Noah, assim que o seu pedido de desculpas fez sentido na minha cabeça, e limitei-me a encolher os ombros, visto que no segundo a seguir, a bebé já me estava a olhar. E eu juro que tentei, mas a sua expressão derreteu-me o coração.- oh, meu amor.- soltei uma leve risada, depositando-lhe um beijinho na testa.- não tens de pedir desculpa, está tudo bem.- pisquei-lhe o olho, recebendo o seu sorriso de resposta e aproximei-me então de Noah, para lha entregar.- [b]não me digas que és pai e não me contaste, Walker.[/b.]- gozei, ainda que de forma suave. Ainda não me apetecia muito voltar a estar no mesmo espaço que ele.

Observei a sua interação com a minha irmã, enquanto Liam tentava chamar à atenção de Charlie. Ao ver que a gémea estava entretida, começou a tentar colocar a sua mão na minha boca.
- Liam... - soltei num pequeno resmungo, fazendo o bebé rir-se. Semicerrei os olhos na sua direção, fingindo-me chateado.
Levantei o olhar quando Kaylee se aproximou e revirei os olhos com as suas palavras. Segurei melhor no meu irmão e depois peguei em Charlie com o braço livre, sentindo-a segurar-se ao meu pescoço com força.
- Deveria ter contado? - ironizei, olhando para ela, enquanto ignorava a conversa animada que os bebés estavam a ter no meu colo. - São meus irmãos. E antes que perguntes, sim, são gémeos. Sim, temos uma grande diferença de idades. E sim, a minha irmã decidiu que afastar-se era uma excelente ideia, enquanto o Liam parecia achar hilariante ameaçar mandar-se para a água. - resmunguei baixinho, agora tendo os dois a levar as mãos à minha boca enquanto eu falava. - Vocês os dois estão a testar-me, só pode. - fiz uma careta e logo eles estavam a rir-se ainda mais ao sentir a minha língua a tocar nos seus dedinhos.
- Oah, Oah, Oah! - Charlie riu-se ainda mais alto, mandando com a sua testa contra o meu maxilar. Logo depois estava a fazer um beicinho, levando a mão à testa.
- Só te magoas a ti mesma, pestinha. - acusei, dando-lhe um beijinho no local depois de a ver a apontar para o mesmo e a encostar-se aos meus lábios. - Diz adeus à menina. - pedi, porque não queria ser mal educado, apesar de tudo.

Como seria de esperar, Noah continuava tão irritante como na noite anterior. E mesmo com os bebés ali, não consegui evitar um revirar de olhos.
- Pelos vistos continuas tão estúpido como ontem.- resmunguei.- eu estava a gozar, pensava que dava para perceber.- abanei a cabeça, juntamente com um suspiro.- eu não sei porque é que ainda tento.- e não sei se ele me ouviu ou não, mas eu já nem queria saber. Só esperava que os irmãos não fossem iguais quando crescessem, porque agora eram demasiado adoráveis. Prendi uma mecha de cabelo atrás da orelha enquanto os olhava, sentindo o meu coração apertar-se com toda a ternura que existia entre eles, mas mantive o silêncio.- adeus, pequenina.- falei ao fim de alguns minutos, quando percebi que se iam embora, e voltei depois a sentar-me, pronta para voltar ao meu desenho.

Abanei ligeiramente a cabeça com as suas palavras.
- Cuidado com o teu discurso em frente aos gémeos. Aposto que não queres ser responsável quando eles começaram a repetir os insultos que ouviram de ti. - encolhi os ombros despreocupadamente. - E, brincadeira ou não, não esperes que eu me esqueça das coisas que dizes. É impressionante como continuas a criticar, sem conheceres ou dares uma chance. E o engraçado é que pensas que o estás a fazer. - fiz uma careta. - Tem o resto de um bom dia, Oswald. - disse simplesmente, afastando-me.
Caminhei a meia dúzia de passos que me separavam do carrinho e sentei-me na relva, sentando os meus irmãos nas minhas pernas. Eles discursavam sobre coisas sem sentido, permitindo que eu me perdesse no espaço por alguns momentos. A minha atenção voltou a focar-se neles quando, num momento de fraqueza, eles empurraram-me para a relva e deitaram as suas cabeças no meu peito, olhando-me.
- Pestinhas. - sorri, despenteando o cabelo de ambos. - A vossa sorte é serem adoráveis. - ri-me e tirei-os de cima de mim com cuidado, alcançando a mala que estava pendurada no carrinho. Tirei de lá os seus copinhos com água e dei-lhos para as suas mãos rechonchudas.
- Than!! - Liam gritou, animado, fazendo com que a água que estava na sua boca se espalhasse pelo seu casaco.
- Cheguei! - logo o meu irmão gémeo chegou a fazer um espalhafato que sempre fazia com que os mais novos se rissem das suas figuras. Aquele era o Ethan. Aquele era o que quase ninguém conhecia, e eu adorava-o por isso, mesmo que a presença daquele Ethan fosse rara.
Logo Liam estava a correr para o seu colo, calcando as relvas com dificuldade. Charlie, por seu lado, permaneceu encostada a mim, bebericando da sua água enquanto observava o gémeo a ir ao ar.

Não disse nada. Não havia nada a dizer. Limitei-me a ouvi-lo e a vê-lo ir-se embora. Ele até podia ter razão, e eu até podia estar a falar sem saber. Mas tudo podia não passar de um conjunto de ''atés'', dos quais eu não queria saber. Não queria saber porque não me interessava e porque não tinha nada a ver com isso. Nem com ele, nem com a sua família.
- Vai à merda, Noah Walker.- resmunguei baixinho, sabendo perfeitamente que ele já estava demasiado longe para me conseguir ouvir. Recostei-me no banco, voltando a pousar o meu caderno sobre as pernas e acabei por deitar o desenho que já tinha começado fora, visto que já não estava com vontade de desenhar aquilo. Ao invés, comecei a rabiscar algo novo, levantando o meu olhar de vez em quando, e de forma inconsciente, para ele. E para o seu gémeo que depois chegou. Como é que era possível que aqueles dois bebés conseguissem fazer com que aqueles dois gémeos irritantes parecessem duas pessoas completamente diferentes? Engoli em seco, tentando afastar as palavras de Noah da minha cabeça, mas quanto mais as tentava afastar, mais o seu rosto surgia no meu papel.

Charlie permaneceu ao meu lado por longos minutos, mesmo depois de ter ido dar um abraço ao recém-chegado. Ethan adorava embirrar com ela, provocando-a e acusando-me de a influenciar a ser a gémea introvertida, mas a pequena ignorava tudo o que ele dizia e vinha ter comigo, refugiando-se ao meu redor.
- Oh meu Deus, ele vai apanhar-me. - Ethan fingia estar a entrar em desespero, enquanto um Liam desastrado estendia os seus braços, tentando alcançá-lo. Estavam os dois a correr de um lado para o outro, ignorando os olhares que iam recebendo.
- Afasta-te do lago, Ethan. - resmunguei num tom de voz alto.
- Than! Quack! - Charlie gritou também, levantando-se da relva. Virou-se para mim e puxou-me pelo braço, só se dando por satisfeita quando eu me levantei também.
Ethan parou de correr de repente e riu-se quando Liam foi contra a sua perna e caiu com o rabo no chão. Logo o pequeno estava a choramingar, levantando-se e correndo na minha direção. Peguei nele ao colo e premi os lábios um contra o outro, tentando não sorrir quando senti que ele escondia a sua cara no meu pescoço.
- Than mau! - Charlie gritou, indignada, tentando cruzar os seus bracinhos enquanto batia com os pés no chão.
- Charlie, palavras feias. - avisei-a, chamando a sua atenção. Ela assentiu seriamente e voltou a olhar para Ethan, mantendo a expressão. - Pronto, Liam, já passou. - murmurei ao seu ouvido, dando-lhe um beijinho no ombro.
Ethan também se aproximou e em minutos tudo voltou a estar bem, com Liam a correr atrás de Charlie, enquanto Ethan se mantinha sentado ao meu lado.

Revirei os olhos ao olhar para o desenho que tinha acabado de fazer. Mas porque é que nem ali ele me deixava em paz? E porque é que eu não conseguia parar de pensar nas suas palavras? É impressionante como continuas a criticar, sem conheceres ou dares uma chance. Mordi a parte de dentro da minha bochecha com força, dando por mim a levantar o olhar para ele, e antes que tivesse tempo de me travar, já o meu corpo estava a avançar na sua direção.
- Eu vou dar-te a tua chance.- parei à sua frente, tentando ignorar os seus irmãos, para não me arrepender.- ou a minha chance de te pedir desculpa.- encolhi os ombros.- o que lhe quiseres chamar.- olhei-o, tentando mostrar-me o mais confiante possível.- posso conhecer-te? - engoli em seco.- a ti, Noah Walker, não ao Noah dos corredores da escola.

Estava a falar com Ethan sobre a viagem dos nossos pais e como iríamos fazer durante o fim de semana, para que as crianças depois não andassem com horários completamente trocados, quando senti uma sombra a pairar sob os nossos corpos. Observei os meus irmãos a correr e depois levantei o olhar, ouvindo as palavras de Kaylee.
Estava prestes a falar quando reparo em Ethan a levantar-se com o seu sorriso provocador e ali eu soube que ele estava prestes a tramar das suas.
- Sou o Noah Walker. - apresentou-se, colocando uma expressão séria. Arqueei o sobrolho e olhei para ele, sem realmente saber se lhe devia chamar à atenção para a sua parvoíce. Era claro que Kaylee sabia distinguir-nos, pelo menos naquele momento, já que ela já tinha estado a falar comigo. - E tu és...? - perguntou, entortando ligeiramente a cabeça.

Sentia o sangue a ferver no meu corpo. Ainda não sabia muito bem porque é que tinha acabado de fazer aquilo, mas a verdade é que tinha mesmo, e agora já não havia nada a fazer. Assim sendo, limitei-me a ficar parada à sua frente, à espera de alguma resposta. Porém, a resposta acabou por chegar, mas vinda do outro gémeo. Revirei ligeiramente os olhos, vendo-o levantar-se.
- Ainda bem que eu falei com o teu irmão minutos antes de chegares, Ethan- deixei escapar um leve sorriso.- caso contrário ainda poderia cair nessa.- abanei ligeiramente a cabeça.- sou a Kaylee Oswald.- apresentei-me, como se ele não soubesse.- e não te queria mesmo desiludir, mas estou mais interessada no teu irmão. - e dito isto, voltei a olhar para Noah. Ainda estava à espera de uma resposta.

Premi os lábios um contra o outro, vendo o meu irmão a fingir colocar a sua cara de rapaz desiludido e coração partido.
- É a primeira vez que oiço essa. - ironizou, olhando para mim e voltando a deixar-se cair no chão. - Façam de conta que nem estou aqui. - encolheu os ombros, acertando com o seu ombro contra o meu, enquanto observava os nossos irmãos.
Olhei finalmente para Kaylee e suspirei baixinho, tentando avaliar a sua expressão.
- Tudo bem. - acabei por dizer com um leve encolher de ombros. Uma parte de mim queria provocá-la pelas suas palavras, mas decidi que seria melhor parar com aquilo. Ela já mostrara não estar preparada minimamente para esse meu lado.
Apontei para a relva.
- Está à vontade, se quiseres. - acabei por dizer e olhei rapidamente para o relógio de pulso de Ethan. - Charlie, Liam, venham cá. - disse num tom mais alto, enquanto alcançava a mala e a tirava do carrinho.
Os dois chegaram ao nosso lado de mãos dadas e apontaram para a relva.
- Caca. - a voz fininha de Liam disse, com nojo.
Logo Ethan estava a rir-se alto das suas palavras indignadas.
- Jesus Cristo, são mesmo pequenos demónios. - gozou, levantando-se para estender a manta. Assim que o chão estava mais limpo para o gosto de Liam, o pequeno rapaz sentou-se na manta, puxando a irmã consigo.
- 'nina. - Charlie disse ao reparar em Kaylee. - Olá. - sorriu.

- Eu gosto de ser diferente.- retribui-lhe o sorriso gozão, juntamente com um encolher de ombros e logo concentrei a minha atenção em Noah, ouvindo-o responder.- estava à espera de uma resposta melhor, depois de quase me ter declarado a ti, Walker.- fingi um ar sofrido.- mas pronto, essa vai ter de servir.- brinquei, enquanto guardava o meu diário na minha mala e sentei-me depois ao lado de Noah, observando a sua irmã mais nova vir ter comigo, tal como há pouco.- olá princesa.- sorri-lhe.- estás boa? - toquei-lhe na sua bochecha gordinha e olhei depois para o seu gémeo, rindo-me do seu ar.- não me queres apresentar ao teu irmão? - meti-me com ela, sabendo que o pequeno me ia ouvir.- ele não parece muito contente hoje.

Fiz-lhe uma careta quando ela me provocou acerca da minha falta de resposta e depois encolhi os ombros.
- Se eu te respondesse como queria, irias dizer que voltamos à estaca zero. - justifiquei-me e procurei pela lancheira dentro do grande saco.
Liam estava a beber mais da sua água, sendo ajudado por Ethan, uma vez que a pequena tampa tinha caído na relva e precisava de ser lavada.
- Boa. - ouvi Charlie dizer e levantei o olhar, observando-a toda sorridente a falar com Kaylee. - Li. - respondeu, assim que Kaylee lhe falou do irmão, e apontou para o gémeo. - Oah. - e depois ficou a olhar para mim e para Ethan, muito confusa.
- Eu sou o Noah. - Ethan disse e a criança já estava a começar a apontar para ele.
- Não a enganes. - ri-me e abanei a cabeça. - Noah. - conduzi a mão de Charlie para que ela apontasse para mim e deixei que ela me observasse atentamente. - E Ethan. - apontei para o meu gémeo, que ainda sorria.
- Oah. Than. - repetiu calmamente, ainda confusa e pensativa. Virou-se para Kaylee. - Oah. Than. - voltou a dizer.
Deixou-se cair com o rabo em cima da manta e estendeu as suas pernas, observando o que eu segurava. Logo começou a estender as suas mãos para a pequena caixa, onde estava alguma fruta cortada aos bocados.

Por muito que eu me quisesse fazer de durona e mázinha, a sua irmã não me permitia. Era adorável demais. Observei-a a apresentar-me os seus irmãos, ficando mais do que confusa com os gémeos, e não consegui controlar uma gargalhada mais audível.
- Não te preocupes.- afaguei-lhe os cabelinhos.- eu também os consigo confundir.- brinquei, olhando depois para o pequenino.- e tu, Li.- chamei-o, tal como a sua irmã o fizera.- estás bom? - tentei meter-me com ele, visto que era o mais calado. Afastei-me ligeiramente, para que Noah conseguisse dar comida aos irmãos e fiquei apenas a observá-lo, dando por mim a sorrir de forma distraída.- conseguiste realmente surpreender-me.- deixei escapar, ajudando a sua irmã a abrir a caixa, para poder comer o que lá estava dentro. Depois disso, voltei a olhar para Noah, mantendo o sorriso.- acabaste de subir uns pontos na minha consideração, Oah.

Mordi o interior da bochecha quando ouvi Kaylee a admitir que também nos conseguia confundir. Não seria a primeira, nem a última, disso eu tinha a certeza absoluta.
- A nossa diferença está em... - Ethan começou a dizer em tom de gozo e eu tapei-lhe a boca.
- Vê lá o que dizes. Se os miúdos começam a repetir tudo o que dizes, sabes bem que cai o carmo e a trindade.
- Eu só ia dizer que a nossa diferença não é visível. - defendeu-se, sorrindo, satisfeito por me conseguir provocar.
- Acredita que ninguém quer saber. - fiz-lhe uma careta e olhei para Kaylee, ouvindo as suas palavras. - Sem te querer ofender, - disse calmamente, abrindo a outra caixinha para a oferecer a Liam. - não era essa a minha intenção. Mas ainda bem. - fiz uma careta e depois esbocei um pequeno sorriso.
- Vou buscar gelados. - Ethan informou, provavelmente aborrecido por Kaylee não falar diretamente para ele.
Liam estava pronto para se levantar também, mas eu agarrei-o a tempo, mantendo-o ao meu lado.
- Tu ficas aqui a comer a fruta, miúdo. - ri-me e limpei-lhe a boca com um guardanapo, enquanto ele estendia uma mão cheia de maçã e ma enfiava na boca. - Mmm... - fingi uma imensa felicidade só por aquele pedaço de maçã e Liam ficou satisfeito com a sua ação. - Realmente devias estar a comer isso com uma colher, pequenote.
Liam observou-me por momentos, enquanto se lambuzava com a fruta.
Olhei rapidamente para Kaylee, depois de observar que Charlie também estava toda satisfeita com a sua comida.
- O Liam está bom. - respondi pelo miúdo. - Ele não gosta de falar com quem não conhece. A Charlie é um bocado ao contrário. - encolhi os ombros levemente. - Têm dias. - acabei por admitir.

Nos pouco minutos que já ali tinha estado, já tinha conseguido perceber que havia muitas diferenças entre Noah e Ethan. E ainda que não conseguisse perceber todas, conseguia perceber que o nome não era a única. Deixei-os terem a conversa deles, fingindo não estar interessada em perceber onde queriam chegar, e só quando Ethan se foi embora é que voltei a focar a minha atenção em Noah e nos gémeos mais novos, sorrindo ao vê-los entretidos com a sua fruta.
- A quem é que o Liam saiu? - sorri ao de leve.- ao Ethan não foi de certeza.- brinquei, desviando o meu olhar para os meus pés e depois para os patos, que pareciam bastante entretidos no seu mundo.- Noah..- hesitei, antes de voltar a olhá-lo.- desculpa se a minha atitude contigo não tem sido a mais correta.- encolhi os ombros.- não quero com isto dizer que és o melhor rapaz do mundo.- gozei ligeiramente.- mas já consegui perceber que talvez não sejas tão mau quanto pensava.

Segurei na pequena caixa a tempo, antes de Liam quase a deixar cair.
- Na verdade, ele é mais parecido com o Ethan. - fiz uma pequena careta. - Como te disse, eles têm dias. - encolhi os ombros levemente e olhei para a minha irmã mais nova, que, notavelmente, tinha mais cuidado a comer do que o seu gémeo. - Tens que deixar um pedacinho para o Ethan, senão ele fica triste. - lembrei-a, vendo os seus olhos azuis a levantarem-se para me olharem, enquanto me estendia a caixinha. - Obrigado, princesa. - ri-me e peguei num pedaço de melancia, comendo o mesmo.
Observei Kaylee quando ela começou com o seu pedido de desculpas e assenti levemente.
- O que ver um rapaz a lidar com os irmãos é capaz de fazer com alguém, hm?! - provoquei, arqueando o sobrolho. Fiquei mais sério e observei os meus irmãos. - Eu disse a verdade, Kaylee. Não somos aquilo que sempre nos retratam. As pessoas são como as cebolas. Têm muitas camadas. Os gémeos universitários é só uma delas. - encolhi os ombros descontraidamente e decidi que o melhor seria pegar numa colher, ou Liam continuava a sujar mais as bochechas do que a comer.
- Liam, vem cá. - pedi, puxando a sua perninha o colocar mais perto de mim. Peguei na caixinha e numa colher, vendo-a a abrir a boca, já pronto para receber a comida.
A caixinha de Liam já estava vazia quando Ethan finalmente voltou com três gelados nas mãos. Aproximou-se de Kaylee e estendeu-lhe um de chocolate.
- Não sabia do que gostavas, então tentei ir pelo mais comum. - fez uma careta e deu-me o outro gelado a mim, ficando com um para si.
- Estás a tentar impressioná-la? - provoquei-o, divertido com a situação.
Os seus lábios soltaram um "pfft" enquanto os seus olhos se reviravam.
- Como se eu precisasse disso. - troçou, sentando-se novamente em cima da manta e ajudando Charlie a guardar a sua caixinha no saco.