Sydney Harbour National Park

Mantive o meu olhar no Aaron quando ele se afastou de mim para ir até ao balcão e se não estivesse tão mal era capaz de me rir pelo evidente embaraço dele. Ele era adorável. O fresco do interior da gelataria estava a ajudar-me mas ainda assim não me sentia pronta para me levantar - Obrigada. - agradeci quando ele voltou com o copo de água e bebi uns bons goles da mesma, deixando-me estar um bocado de olhos fechados para ver se melhorava.

Pousei as minhas mãos nas pernas, de costas direitas, enquanto a observava de sobrancelhas juntas. Ela tinha os olhos fechados, mas não conseguia perceber se era por estar melhor ou pior, pelo menos, aquela cor esquisita que tinha apanhado na cara já tinha parecido e as bochechas já estavam com mais cor. Sentia um buraco no peito com o nervosismo, queria agir de alguma forma para a ajudar, mas não sabia como.
-Se calhar era melhor levar-te a casa...? - Perguntei, com uma careta. - Posso chamar um táxi, não podes conduzir assim.

Aos poucos começava a sentir-me melhor apesar de não conseguir acabar completamente com aquela sensação. Por isto é que não deixava os comprimidos e era também por isto que não queria dar mais nada ao Ben. A última coisa que precisava era que também ele ficasse viciado naquilo. Só precisávamos de um drogado na família e continuando a minha reputação de péssima pessoa e filha, eu ficava com essa designação.
Abri os olhos quando voltei a ouvir a voz do Aaron e senti-me mal por ele estar a ser obrigado a assistir àquilo. O pobre rapaz parecia ainda pior do que eu e já tinha tanto com que se preocupar para ainda se preocupar comigo. Assenti com a cabeça em resposta ao que ele tinha acabado de dizer - É melhor. Desculpa, Aaron. - apressei-me a dizer.

Apenas lhe sorri, desagradado comigo próprio por me ter comprometido a chamar um táxi, mas feliz por ser bom a decorar números de telemóvel e lembrar-me do do motorista que me costumava levar à escola. Ele tinha-se despedido - por causa dos meus pais, claro - mas eu tinha-me habituado à sua companhia, por isso não ia ser grande problema. Agarrei no telemóvel, perguntando-lhe se estaria disponível, e quando ele disse que estava a ir para o parque onde tínhamos estado, eu guiei Olivia até onde ele me tinha pedido para ficar.
-Ele está a chegar. - Garanti. - Podes apoiar-te a mim, se quiseres.

Aos poucos começava a sentir-me ligeiramente melhor mas ainda assim não me sentia a cem porcento e achava que não ia ficar enquanto não chegasse a casa e tomasse alguma coisa. Caminhei ao lado do Aaron enquanto voltávamos até ao jardim, depois de ele ter ligado para chamar o táxi e sorri-lhe quando ele disse que me podia encostar a ele, sabendo que ele não gostava que lhe tocassem aquilo era um progresso - Obrigada. - agradeci sinceramente, encostando-me ligeiramente a ele para não perder o equilíbrio e estatelar-me no chão.

Mordi o lábio inferior ao mesmo tempo que ela se encostava a mim, para se apoiar no meu corpo e não cair caso desfalecesse. Felizmente, o taxista não demorou muito a chegar, ele era sempre rápido quando se tratava de mim, pelo menos, era o que dizia.
-Olá, Aaron. - O meu ex-empregado saiu do carro e sorriu-nos aos dois.
-Olá. - Respondi para ser educado, vendo-o abrir a porta para que entrássemos.

Um passeio que se tinha tornado no meu momento de ressaca. Maravilhoso, sem dúvida alguma. Suspirei de alívio quando o taxista apareceu finalmente e forcei-me a sorrir ao homem quando nos abriu a porta, entrando no táxi logo a seguir - O teu irmão depois pode ir buscar-te ou vais de táxi? - perguntei preocupada com o Aaron, afinal quando lhe tinha mandando mensagem a convidar para ir dar uma volta, não tinha esperado que o nosso passeio acabasse assim.

Coloquei o cinto, sentando-me num dos bancos de trás, junto à janela, detestava ir no meio ou num sítio onde não existissem. Só voltei a fitar Olivia quando a ouvi falar-me. - Eu telefono ao meu irmão. - Respondi. Apesar da vontade de me enfiar em casa e pintar para afastar o stress que o fim da tarde me estava a proporcionar, não ia deixá-la sozinha se Benjamin não estivesse em casa com ela. - Posso ficar um bocado contigo, em tua casa. - Não era uma pergunta, apesar de achar que devia perguntar primeiro. - Quero ter a certeza de que estás bem.

Coloquei também o cinto de segurança e encostei a cabeça à parede enquanto o taxista dava a volta para voltar a entrar no lugar do condutor. Desviei novamente o olhar para o Aaron e assenti com a cabeça, sorrindo com o que ele disse a seguir - Aw estás preocupado comigo. - disse anda a sorrir - Quem diria que depois da forma como nos conhecemos íamos acabar amigos. 

Juntei as sobrancelhas face às memórias do dia em que nos tínhamos conhecido. Não tinha sido há muito mais do que uma semana, mas o tempo cá fora parece passar mais rápido do que lá dentro e parece que fiz muito mais numa semana do que tinha feito lá em... demasiado tempo.
-Foste má. - Acusei. - Mas penso que a culpa também seja minha... Eu não reajo bem a estranhos. - Admiti, desviando o olhar para a janela, esperando que ela desse a morada ao taxista meu conhecido.

- Tu também não foste propriamente simpático. - recordei-lhe ainda com um pequeno sorriso nos lábios. Gostava mesmo de passar tempo com o Aaron e tinha pena que tivesse acabado aquele nosso encontro com a minha necessidade de voltar a tomar alguma coisa. Disse a morada ao taxista assim que ele entrou e fiz o resto da viagem em silêncio sem grande vontade de falar mas também de ter alguém a ouvir a nossa conversa apesar do ar simpático do homem.

Mordi o lábio inferior, esfregando a minha mão nas calças de ganga que trazia vestida; eu não sabia ser simpático, já me tinham dito isso muitas vezes, mas eu tentava aprender, era fácil se as pessoas colaborassem, coisa que ela não tinha feito. Como ela continuou calada e eu não disse mais nada, encostei a cabeça à janela e fiquei a ver a paisagem, como sempre fazia nas viagens de carro.
Ao chegarmos paguei ao meu ex-condutor e saí do táxi, lembrando-me de algo. - Não respondeste à minha pergunta. - Aproximei-me de Olivia. - Posso ficar contigo?

Começamos a caminhar lado a lado em silêncio, até ao momento em que Roy voltou a falar.
- Noivo. - disse, decidida a provocá-lo um bocado. Ao ver o quão rápido a resposta me tinha saído, acabei por me rir. - Estou a brincar. - acrescentei, olhando-o pelo canto do olho para testar a sua reação. - Agora estou a viver sozinha. - respondi, então. - Mas a Chloe estava a viver comigo desde que voltamos da universidade. - expliquei-lhe. - Já sabíamos que era temporário, mas foi bom enquanto durou. Agora ainda me vou ter que habituar a chegar a casa e não a ver por lá. - admiti com uma pequena careta.
Olhei para trás, vendo-nos cada vez mais longe do meu prédio.
- O meu irmão ainda está com os meus pais, no entanto. E eu ainda vou lá a casa muitas vezes. Mas queria sair. - continuei calmamente. - O meu plano de vida era muito diferente, há uns tempos atrás. Mas suponho que temos que aprender a viver de acordo com o que nos é possível e com as oportunidades que nos aparecem no caminho. - encolhi os ombros.

Estava a olhar para os meus pés quando ela disse que não estava a namorar com o namorado, mas sim com o noivo. Rapidamente a fitei, mais atónito do que queria parecer. - Estou a brincar - ouvi-a dizer, fazendo-me semicerrar os olhos por me ter enganado daquela maneira.
- Isso é jogo sujo. - Brinquei, mas decidi não dizer mais nada, antes que me envergonhasse mais do que já estava. Não era surpresa nenhuma que Chloe tivesse vivido com ela, na verdade, era assim que as imaginava quando fossem mais velhas; isto, se Toby não a roubasse primeiro.
- Sim... - concordei num murmúrio face às suas palavras, sem coragem para lhe perguntar quais seriam esses planos que ela tinha. - E... sobre a universidade, o que é que tiraste? Sempre vais seguir os passos do teu pai na empresa? - Não gostava de lhe perguntar tanta coisa, sentia que a conhecia suficientemente bem, mas estas questões todas que não sabia deixavam um vazio entre nós.

Permiti-me rir quando me acusou de estar a fazer um jogo sujo.
- Desculpa. Só queria mesmo... - fiz uma careta. - Ver como ficavas. Foi infantil. - admiti, abanando a cabeça rapidamente. - Desculpa. - pedi novamente.
Continuamos a andar pelas ruas de Sydney e fui observando os diferentes pontos que passávamos. Havia pessoas que já estavam a trabalhar e outras que andavam pela zona, a conhecer a cidade.
- Não. - respondi diretamente, quando me perguntou se tinha seguido os caminhos do meu pai. Para isso, eu deveria ter estudado administração, que era a ideia que eu tinha (porque fora pressionada para tal), mas, quando chegou o momento, não fui capaz. - Escolhi comunicação. - disse, antes que me perguntasse. - Ainda o ajudo, de vez em quando, mas não consegui escolher administração quando chegou ao momento. Escusado será dizer que ele não gostou nada da ideia. - fiz uma careta. - Mas acabou por compreender. Principalmente quando o meu irmão se revelou genuinamente interessado na área. - encolhi os ombros levemente. - Acho que ele percebeu que o melhor é a empresa ficar com alguém realmente apaixonado pelo seu trabalho. Eu seria capaz de arruinar aquilo em minutos. - admiti, sem qualquer problema. A verdade é que, se não fosse pelo meu pai, eu nem sequer teria ponderar seguir administração. - E tu? - perguntei, mordendo o interior da bochecha nervosamente.

Enquanto ela falava, os meus olhos desviaram-se dos seus para a água que estava ao nosso lado. A minha mãe tinha dito que eu tinha nascido na água, por isso é que me sentia atraído por ela. A minha vontade era mergulhar, mas não queria ser preso por desacatos. Sydney era uma cidade linda e eu não conseguia negar a falta que sentira do cheiro, das cores, do sol e do clima esquisito.
- Se fosses para o que ele quisesse só por causa dele... não serias feliz. Um curso muda uma vida, é importante gostar. - Disse, antes que ela ficasse a pensar que estava a falar para o boneco. Nunca lhe faria uma coisa dessas, apesar de estar a aproveitar a natureza que nos rodeava. Mordi o lábio inferior assim que ela me perguntou sobre mim, já devia estar à espera que aquela pergunta chegasse, mas continuava a deixar-me reticente. - Ainda estou a estudar - admiti - perdi dois anos quando cheguei a França, estou a tentar inscrever-me na faculdade de artes. - Sorri, nervosamente. Desenhos e pinturas não me iam dar dinheiro, era o que o meu pai me costumava dizer, mas eu nunca soube o que fazer para além disso. Nunca fora bom noutra coisa. Nem em detetive estava a ser. - Também me inscrevi num curso de escrita e argumento, cinema. Mas não sei...

Observei o rio quando chegamos ao Sydney Harbour National Park. Sempre adorara aquele sítio, desde pequena. Gostava da tranquilidade e dos diversos sítios onde as pessoas decidiam estar a descansar.
Assenti, concordando com as suas palavras.
- Exato. - disse. - E eu estava numa fase em que tinha que fazer de tudo o que era possível por mim. - encolhi os ombros levemente e sentei-me na relva, mesmo em frente do rio. - A Chloe e o Tobias é que me apoiaram no início. Foi por isso que foi bom ir para longe daqui por um bocado. - fiz uma pequena pausa. - Vinha aos fins de semanas, mas era diferente. - expliquei calmamente, aproveitando o sol contra a minha pele.
Sorri quando me disse que ainda estava a estudar e quais eram os seus planos para o futuro.
- Tu tens jeito para mais coisas do que as que pensas, Roy. - disse, porque realmente acreditava nisso. - Mas acho uma excelente ideia seguires artes. Tens um talento incrível e ainda irás fazer milhões. - sorri-lhe docemente. Sempre acreditei nele e iria continuar a acreditar, independentemente de tudo. Nunca devemos duvidar de um talento quando ele nos aparece à frente. - Acho que sei de que curso estás a falar. - assenti levemente. - Um dos meus professores da universidade, que mora aqui, fez parte do grupo de organização. Parece um bom curso. - disse sinceramente.

Assenti, começando a compreender o porquê dela ter saído de casa dos pais e do irmão. Sempre soubera que ela não adorava aquilo que tinha sido designada para fazer. O seu pai queria que ela fosse a sua sucessora, mas se não era isso que ela queria, eu apoiava no que quer que fosse. No entanto, logo abanei a cabeça ao ouvi-la a dizer que tinha jeito para muitas coisas.
-Não tenho, nem sei se tenho jeito para aquilo que me dizem que tenho. Aquilo é mais duro do que se pensa. - Admiti. Ainda não tinha começado as aulas em Sydney, mas começava a sentir-me nervoso com isso, os ensinos eram diferentes e só para conseguir entrar tinha sido complicado. - A sério? - Perguntei de forma retórica, sorrindo. - Sempre tiveste bons contactos - brinquei, piscando-lhe um olho. - Ah, mas não me disseste se já estavas a trabalhar! - Lembrei-me.

Observei a água do rio, que parecia calma. Alguns patos andavam livremente pelas águas, deixando-se levar pela corrente que os empurra de forma suave.
- Tens que acreditar em ti. E aposto que os outros não te dizem coisas bonitas só para te agradar. - abanei a cabeça e encolhi os ombros levemente, acrescentando: - Pelo menos, eu não digo.
Fiz uma careta quando disse que eu sempre tivera bons contactos.
- Nunca tinham sido meus. - admiti, voltando a abanar a cabeça. - E foi meu professor. Não é como se tivesse sido um milagre. - fiz uma pequena pausa. - Só se considerares que ter entrado na universidade é um milagre.
Mordisquei o lábio inferior quando me questionou sobre se tinha algum trabalho.
- Nada exato, por agora. - admiti, continuando a olhar a água. - Ajudo em organização de festas, como o casamento da Chloe. Ando a ocupar o tempo e a ganhar algum dinheiro com isso enquanto mando currículos e assim. - olhei para ele finalmente. - E tu? Alguma coisa por aqui?

Definitivamente, ninguém dizia nada para me agradar. Em França, ou ouvia críticas ou via um simples aceno de cabeça. Um para dizer o que não gostava e o outro para aprovar, respetivamente. Ela era uma das primeiras pessoas em muito tempo a dizer que eu era talentoso, mas também já não via nada meu há muito tempo.
- Sem dúvida que teres entrado para a faculdade foi um milagre - ironizei com uma risada - nunca conheci uma pessoa com tão más notas a entrar numa universidade tão conceituada - brinquei.
Deixei a minha cabeça cair na relva debaixo de nós e assenti ao que me dizia, percebendo que tanto eu quanto ela estávamos desempregados. A única diferença é que se eu continuasse assim... não ia ter dinheiro nem para morrer com dignidade, quanto mais para comer, ela não. - Ainda não. - Respondi-lhe. - Tenho que começar a procurar, mas ainda me estou a adaptar - admiti, com o olhar a desviar-se para o céu azul.

Permiti que uma gargalhada saísse dos meus lábios quando ele foi irónico a referir-se à minha entrada na faculdade.
- Não foi tão boas notas como tu achas. - acabei por dizer, mais séria. - Eu tive uma fase muito má. - abanei a cabeça, lembrando-me subitamente que era com ele com quem estava a falar. - Então tive que me esfolar para conseguir subir tudo, de repente. Foi esgotante. Emocionalmente. Fisicamente. - fiz uma pequena careta.
Observei-o a deitar-se na relva, esperando a resposta à questão que lhe tinha feito sobre o trabalho. Tudo bem que ele estava ali apenas há uma semana, mas imaginava que ele começasse à procura de algo entretanto.
- De certeza que vais encontrar alguma coisa. - sorri-lhe de forma encorajadora. - Mas não esqueças os estudos. É importante.

Desviei o olhar do dela para o céu, sentindo que parte da culpa da sua fase má era minha. Isto tudo não tinha sido mau apenas para mim, ela e o casal recém casado também deviam ter passado um mau bocado. Fechei os olhos por um momento, às vezes tinha medo de acordar num dos meus quartos em França.
- Espero que sim, aceito tudo... quase tudo. - Voltei a fitá-la com um ligeiro sorriso. - Neste momento, o mais importante para mim é mesmo ter dinheiro para mim e para a minha mãe. - Nós tínhamos recebido um dinheiro do seguro, visto que o caso tinha sido um "acidente", mas não dava nem até ao fim do próximo mês. Sentei-me devagar, encostando as minhas costas a uma árvore. Havia uma coisa que lhe queria perguntar desde que a vira, nada relacionado com ela, mas comigo e com a minha famíla. - Essie... - murmurei - há rumores... sei disso desde que cheguei de cá, mas... o que é que dizem?

Batuquei com os dedos na relva e continuei a observar o parque, vendo os casais que passavam e as crianças que corriam de um lado para o outro, animadas.
- Podes ir ver as lojas e os cafés. Tem alturas em que andam sempre a pedir, por causa de perderem empregados que só trabalhavam no verão. - encolhi os ombros levemente.
Senti-o mover-se e consegui perceber que se sentara novamente, aproveitando a árvore atrás de nós para se encostar. Com esse movimento, acabei por ficar mais à frente do que ele, mais próxima da água.
Engoli em seco quando falou dos rumores que existiam e não fui capaz de falar por alguns segundos.
Voltei a observar a água, vendo uma folha a ser levada pela corrente.
- Okey... - murmurei, reunindo coragem. Virei-me para ele, precisando de mudar a posição em que estava sentada para isso. - Há quem diga que... - engoli em seco e observei a árvore, sem conseguir olhá-lo diretamente nos olhos. - O teu pai... - abanei a cabeça e decidi que o melhor era enumerar tudo de uma vez. - Há quem diga que o teu pai matou uma pessoa. - conclui. - Mas... - olhei-o por breves segundos. - Há mais. Outros rumores continuam a ser sobre esse assunto. Outros são que vocês fugiram de... alguma coisa ilegal que andavam a fazer. - fiz uma pausa. - Há quem tinha dito que tu... - engoli em seco novamente, porque aquela era a que, por alguma razão, me doía mais. - Tinhas sido pai. E que a tu e a tua família se mudaram para outro sítio com... eles. - continuei sem olhá-lo. - A todos os momentos, diferentes coisas eram ditas. Mas era isso que prevalecia. - conclui, não sendo capaz de dizer mais nenhuma das coisas que ouvira ao longo dos anos.

Estava à espera de tudo... quase tudo, mas assim que vi o receio no seu olhar, comecei a ficar nervoso. Metade da minha família estava morta, mais rumores era coisa que não ia faltar, mas não tinha noção do que poderiam dizer.
Os meus músculos ficaram tensos ao ouvi-la. O meu pai matou alguém? Juntei as sobrancelhas, apertando as mãos à minha volta, e engoli em seco. Porque é que haveriam de pensar que o meu pai tinha morto alguém? A segunda devia ser a mais correta, eles não me diziam nada e estavam convictos de que tudo o que nos rodeava poderia ser perigoso, então não me admiraria se estivessem envolvidos em algo ilegal, mas.... matar alguém? Não.
- Quem me dera que fosse isso - murmurei assim que chegou ao terceiro rumor, em que diziam que era pai. - Podia continuar infeliz, mas sempre teria alguma coisa boa na minha vida. - Disse, referindo-me ao suposto bebé. Fitei-a de novo, arranjando coragem antes de falar. - No que é que acreditas?

Conseguia compreender o porquê de ele dizer que preferia que fosse isso - referindo-se ao rumor sobre ser pai -, mas, naquele momento, senti o meu coração despedaçar-se um bocado mais. Não o encarei, mesmo quando continuou a falar, porque não queria que ele visse as minhas reações.
Voltei para a posição em que estava sentada antes, virando-lhe costas. Assim seria mais fácil responder-lhe.
No que é que acreditas?
No que é que acreditas?
No que é que eu acredito?!
- Acredito que te foste embora sem me dares qualquer justificação. - disse de forma distante, fechando os olhos porque queria desaparecer dali por momentos. - Acredito que a vida consegue ser uma verdadeira porcaria. - dobrei os joelhos e abracei os mesmos, olhando agora para a água. - E se vamos brincar às opções da escolha de rumores, eu escolhia a inexistência deles.  A ausência de opções. - fui sincera.