Sydney Harbour National Park

Baixei o olhar para junto dos meus pés, observando a relva verde debaixo dos mesmos enquanto passeávamos pelo parque. - Conhece os meus pais e vais perceber. - Murmurei. A minha mãe era ainda pior que o meu pai, que simplesmente não queria saber de nenhum de nós. - Eles pensam que me conseguem moldar e, a certo ponto, talvez até conseguiram, mas não mais daquilo que já sou. - Encolhi os ombros. Desde cedo que os médicos diziam que o meu "problema" não era assim tão grave, e eu nem o via como problema, não tinha tantos amigos, mas tinha o que necessitava para sobreviver e ser feliz à minha maneira, como eu gostava. - É complicado para eles, porque eu não tenho um nível de asperger muito grave, o que torna tudo pior, porque pareço uma pessoa normal que é vista como anormal e antissocial e rude e mimada. - Encolhi os ombros mais uma vez, num sinal de nervosismo. - Eles não gostam de mim.

Cada vez se tornava mais evidente que tínhamos mesmo bastante em comum e talvez fosse por isso que apesar de nos conhecermos há tão pouco tempo, nos dávamos assim tão bem. Quer dizer, dentro dos possíveis - Os teus pais não merecem que percas tempo a falar sobre eles. - olhei em volta à procura do carrinho de gelados que costumava andar pelo jardim - Vamos lá comer o gelado antes que te passem os desejos. - brinquei.

A minha ligação com os meus pais não era assim tão estreita, tinha laços mais fortes com a minha ama e algumas enfermeiras que já conhecia desde miúdo, do que com eles, mas não conseguia deixar de me sentir mal sempre que os tentava afastar da minha vida. Eu não me compreendia a mim mesmo e não os compreendia a eles.
Levantei o olhar, ouvindo-a já a falar em ir buscar o gelado. - Não vais dizer nada? - Perguntei. - Normalmente as pessoas dizem alguma coisa sobre o assunto. - Comentei, referindo-me ao facto de ter asperger. - Fazem perguntas de alguma coisa que não sabem, ou perguntam como é que aprendem a lidar comigo... - o que era uma idiotice, mas as pessoas normais são ignorantes.

Parei a caminho do carrinho de gelados com a pergunta do Aaron e virei-me de frente para ele - Há mais alguma coisa que me queiras dizer sobre a tua doença? - perguntei olhando-o com atenção - Não te vou encher de perguntas quando tu és bem capaz de me dizer o importante. - encolhi os ombros e sorri-lhe - Além do mais é para isso que existe a internet. - agarrei-lhe na mão para o puxar - Agora anda lá, deixaste-me com fome.

Juntei as sobrancelhas, sem saber o que lhe responder. Não havia nada para lhe responder porque cada caso era único, mas também não queria que ela desistisse de falar comigo por não conseguir lidar com a minha estranheza. - Não. - Acabei por responder, agradado com o facto de ela não fazer perguntas esquisitas.
Baixei o olhar, mordendo o lábio inferior ao sentir a sua mão na minha. Não era a primeira vez, mas era diferente, antes só tínhamos dado a mão porque eu estava nervoso por estar junto a uma multidão, agora não, agora só estávamos por estar e isso só acontecia com pessoas que gostavam uma da outra. Mas gostar não significa paixão, por isso, acalmei-me e deixei que me puxasse em direção ao carrinho de gelados que existia debaixo da sombra de uma árvore. - Eu quero uma bola de cada um.

Voltei a largar-lhe a mão assim que nos aproximámos dos gelados, lembrando-me que ele não era muito dado ao contacto e não queria que se sentisse desconfortável com aquilo - Olá. Ele quer uma bola de cada um. - disse ao homenzinho - E eu quero... uma bola de morango. - pedi tirando de seguida a carteira para pagar os gelados - Queres ir dar uma volta ao pé do rio? - perguntei ao Aaron.

Fitei a sua mão assim que ela se largou da minha, e voltei a ficar confuso, mas o melhor era não me deixar pensar muito -- agora sim, já percebia o conselho do meu irmão.
Não existiam muitas bolas diferenciadas de gelado, pelo que apenas acabei com quatro no copo de cartão. Tirei a minha carteira do bolso, mas o homem fez-me uma careta e abanou a cabeça, dizendo que ela já tinha pago por tudo. - Ahm... Sim. - Respondi, ainda a pensar noutros assuntos. - Por acaso, eu tenho uma coisa para te contar... porque... somos amigos e pode acontecer. - Mordi o lábio inferior.

Agarrei no meu copo de gelado depois de ter guardado a carteira e assim que o Aaron também teve o seu continuei a caminhar ao lado dele pelo jardim, em direção à ponte e ao rio - Hmm certo, diz-me. - pedi de sobrancelhas juntas, curiosa com o que ele me ia contar.

Observei o lugar onde estávamos, reconhecendo e relembrando alguns momentos que já ali tinha passado. Não era momentos que queria recordar, mas nem sempre o nosso cérebro nos sabia obedecer; muito menos o meu cérebro me sabia obedecer.
-Às vezes eu tenho... não gosto de chamar de ataques de pânico, mas são uma espécie de descarga... e... não é muito bonito de se ver, como já me têm dito, mas eu não consigo controlar e... - engoli em seco, esfregando a mão livre nas calças. - Se isso acontecer alguma vez, não me toques, é pior. Deixa-me acalmar, ou adormecer. - Encolhi os ombros, nem queria pensar no assunto. Fitei o rio à nossa frente e aproximei-me um pouco mais. - Só isso, agora podemos encerrar o assunto.

Comecei a comer o meu gelado enquanto ouvia o Aaron e assenti com a cabeça. Imaginar aquela situação já era assustador por isso esperava nunca assistir àquilo ou entraria em pânico e não saberia o que fazer - Certo. Não te tocar e deixar acalmar. Hmm e chamar o Axel? - perguntei já a sentir-me nervosa com a situação. Assenti com a cabeça quando ele disse que podíamos mudar de tema - Gostaste de ir ao museu? - perguntei apesar de já desconfiar da resposta.

Abanei a cabeça de forma rápida. - Não, não é preciso aborrecer o meu irmão, ele já faz demais... - calei-me durante meros segundos - mas se ficares mais confortável... - encolhi os ombros, procurando comer o meu gelado antes que derretesse.
-Sim! - Respondi de imediato, enfiando metade de uma bola de gelado de baunilha na boca. - Já vi melhores, mas gostei. Já há muito tempo que não ia a um museu. - Sorri. - Devias ir mais vezes, acabas por aprender a gostar. Podes vir comigo, se quiseres.

Assenti com a cabeça enquanto tentava guardar todos aqueles pormenores que ele me tinha contado para o caso de acontecer algo do género e ter de lidar com a situação. Soltei uma gargalhada com a resposta entusiasmada do Aaron e sorri - Ainda bem, fico feliz por isso. - fui comendo o gelado à medida que íamos andando até ao rio - Tudo bem, aceito o convite. Vamos percorrer os museus todos de Sydney.

Endireitei as costas ao ouvir o seu desafio, com os olhos abertos e um sorriso a espalhar-se no meu rosto. Podia passar o dia todo num museu. - A sério? Queres? Eu quero. - Assenti, fitando o seu rosto. - Mas também gostava de fazer alguma coisa que tu gostasses. - Continuei, mais calmo. Não me conseguia esquecer que ela tinha aceitado servir de modelo na minha pintura nua. - Para além de cantar e te dares com animais, não gostas de fazer mais nada? - Levei um bocado de gelado à boca, já a pensar noutro assunto. - Passear em parques é quase o mesmo que ver quadros em museus.

Estava a brincar quando tinha sugerido visitarmos todos os museus de Sydney mas já devia saber que o Aaron ia levar isso a sério e ver o seu entusiasmo foi o suficiente para me convencer a fazer aquilo - És tão adorável. - disse-lhe depois de ele dizer que também queria fazer algo que eu gostasse - Hmm boa pergunta. Gosto de ir à praia. - respondi a primeira coisa que me veio à cabeça e encolhi os ombros. Sorri com o seu último comentário - Tens razão, nunca tinha pensado muito nisso.

Sorri ao ouvi-la dizer que era adorável, enfiando a mão livre nos bolsos das calças porque não sabia o que havia de lhe responder. - Obrigado. - Agradeci, como dizia o livro das boas maneiras. - Eu gosto de ir à praia, também. - Acabei por dizer. - Mas acho que muitas pessoas não aproveitam a praia em si, ficam só deitadas na areia e a dormir, eu gosto do mar, acalma-me. - Admiti, era por isso que não me imaginava viver fora de uma zona sem praia, lagos e lagoas ou rios eram água, mas era diferente. - Eu estou a falar muito não estou? - Perguntei, mais baixo.

Atirei a embalagem do gelado agora vazia para o primeiro caixote do lixo que vi e assenti com a cabeça depois do que o Aaron disse - Eu não consigo ir à praia só para estar na areia. - disse comuma careta - Ah e adoro nadar por isso acho que acabo sempre por passar mais tempo na água que na areia. - juntei as sobrancelhas com a pergunta seguinte dele e abanei a cabeça - Não. Podes falar à vontade comigo, sabes? Não tens de te preocupar com esse tipo de coisas.

Passei a língua pelos lábios, terminando o meu gelado com um suspiro por ter terminado tão rápido. A minha paixão doces fazia-me comer demais, mas já tinha estabelecido regras para não ficar doente como muitas pessoas ficavam.
-Desculpa. - Voltei a pedir, juntando as sobrancelhas. - Quando fico entusiasmado, não me calo, muitas pessoas não gostam disso. - Admiti, enfiando as mãos nos bolsos, com o olhar preso no rio à nossa frente. - Há muitas pessoas más neste mundo.

Encolhi os ombros e voltei a olhá-lo - Não tens de pedir desculpa. E não te preocupes, podes falar à vontade. - repeti com um sorriso nos lábios. Estávamos numa zona mais vazia e afastada por isso não havia por ali mais ninguém a não ser nós os dois. Sentei-me no chão, tendo cuidado para não cair - Infelizmente tens razão. - pousei as mãos no chão e apoiei-me nas mesmas enquanto abanava as pernas.

Fitei-a a sentar-se no chão e olhei em volta, imitando os seus movimentos para fazer o mesmo. - Obrigado. - Murmurei, sentindo com facilidade a graditão por ela não ser como os outros. Apoiei as minhas mãos nas minhas pernas, observando o rio à nossa frente. - Um dia posso ver-te a trabalhar? - Perguntei. - Fui uma vez com o Axel, quando ele estava a começar, é engraçado.

Observei os movimentos do Aaron enquanto ele se sentava ao meu lado no chão e encolhi os ombros - De nada. - disse sorrindo e juntei as sobrancelhas ao ouvir a sua pergunta, totalmente apanhada de surpresa com aquilo - Podes. - respondi acabando mesmo por me rir - Não estava à espera que me perguntasses isso. Mas sim, claro. Só temos de combinar. E quem sabe se até não faço qualquer coisa com o Axel. - já me tinham falado várias vezes nele ao longo dos meus trabalhos por isso já tínhamos estado mais longe de fazer algo juntos.

Sorri, mas juntei as sobrancelhas ao ouvi-la rir-se, sem perceber o porquê.
-Eu gosto de vos ver trabalhar. - Assenti, deixando as minhas costas cair na relva verde que nos rodeava. Adorava aquele verde. - Faz-me querer pensar no que fazer. - Admiti. - Quero pintar, mas sei que por enquanto não posso viver dela. - Divaguei, fitando o céu acima de nós. - Acho que o meu irmão podia ficar entusiasmado. - Continuei a conversa anterior. - Tu és linda e ele anda desanimado. - Encolhi os ombros.

Imitei-o e deixei cair o tronco para trás, ficando também deitada na relva a olhar para o céu azul por cima de nós - Não sei muito bem quando vai ser o meu próximo trabalho mas depois combinamos. - tinha várias propostas e ultimamente andava a aceitar quase todas mas ainda não tinha nada para assim tão brevemente - Estás a tentar juntar-me com o teu irmão? - perguntei de sobrancelhas juntas, tentando não me rir.

-Não. - Respondi de forma rápida, percebendo a pergunta demasiado bem. Não queria o meu irmão com ela, por alguma razão, até me dava vontade de recuar com as palavras. O meu irmão dava-se bem com o irmão dela e eu dava-me bem com Olivia. Ela era minha amiga e não ia gostar mais dele do que de mim, não podia deixar. Engoli em seco, com o olhar ainda preso no céu azul. - Estava apenas a dizer que ele gosta de ver melhores bonitas e que tu és simpática. Não há muito pessoas simpáticas.

- Ainda bem porque ias deixar o meu irmão muito triste. - disse rindo. O Ben podia não admitir mas eu sabia que ele gostava de passar tempo com o Axel e esperava seriamente que ele me tivesse ouvido e tivesse saído de casa, dado uma volta e falado com outras pessoas - O teu irmão é estranho. - disse com uma careta - Quer dizer, não o conheço assim tão bem mas acho que somos parecidos. E isso não parece ser muito bom. - recordava perfeitamente aquele nosso momento na cozinha, tínhamos estado bastante perto de andar à estalada - Por isso acho que prefiro passar tempo contigo.