Oficina

- Bebedo? - Ri - Só se em vez de me dares água me deste cachaça - Gargalhei de novo - Por mim podes até dar com um martelo - Resmunguei e tentei entrae no carro de novo, abrindo o porta luvas que estava cheio de frascos com comprimidos. Pu-los num saco o mais depressa que pude e quando consegui sair de novo, suspirei ao ver a rua vazia. - Eu tenho de sair daqui. Não vou ficar aqui, nem pensar - Falei bem a serio, e assim que encontrei o minimo de forças comecei a andar, tentando engolir tudo o que era dores

Olhei-a, bastante furioso, quando me tirou o saco das mãos e voltei a pegar nele, tirando-o das mãos dela de forma meio violenta. — Eu não roubei coisa nenhuma, esta medicação é minha. Tal como tu dizes, tu não me conheces e não sabes nada da minha vida. E eu já disse que não vou ficar aqui. Vai tu na ambulância! — Resmunguei e depois de segurar bem no saco, fugi dali o melhor que pude. Enfiei-me num beco mais escuro de propósito, e assim que cheguei ao fim do mesmo sentei-me no chão e fechei os olhos, respirando fundo, tentando manter-me concentrado para não desmaiar.

Levantei a mão como se lhe pedisse calma e que se calasse e continuei quieto e o mais sereno possível. Quando estabilizei, ao fim de uns segundos, abri os olhos e olhei para ela, com dificuldade, uma vez que estava a ficar cada vez mais escuro ali. — Não me importo com isso, sinceramente. Se estivesse muito preocupado com doenças, não trabalhava num hospital sequer, Cinder.

— Viram mas não vão ver mais. — Suspirei e levantei-me com cuidado, mantendo sempre o saco bem preso na minha mão. — Eu já tenho uma doença, já não faz diferença ter mais uma ou menos uma. — Respondi com normalidade, esticando as mãos e braços para ver melhor onde ela estava através do tato. — Não ias trabalhar e não sei quê? — Resmunguei, começando a andar para sair dali.

Gargalhei. — Não, não é contagiosa não te preocupes. É só frustrante e irritante e pode matar-me de um momento para o outro. Muitos nem consideram uma doença a sério, por isso não precisas de ficar aflita. — Suspirei e revirei os olhos. — Peço desculpa, nao estava lá muito bem nessa altura.

— É um problema de coração. Tanto sinto o coração demasiado acelerado, como muito lento. Há pessoas que têm e passa e vivem bem, mas a mim está cada vez pior. Os comprimidos... É uma longa história. Deviam ajudar, mas acabo por errar sempre na dose. — Suspirei e mordi o lábio ao ver que estávamos na oficina dela

Num segundo estava a ouvir um sermão, no outro estava ali sentado e sozinho. — Eu não...! Ah... — Olhei em redor e suspirei. — Onde é que ela foi? — Remexi-me na cadeira e, pouco depois, lá apareceu ela no reboque. — Não me ando a "automedicar". Eu tinha um médico, meu amigo... Este medicamento não está à venda. — Expliquei vagamente, tendo a noção que ela estava por ali.

Bufei, já um pouco cansado de a ouvir. — Tu não entendes. Ele era o especialista, e tinha uma equipa num laboratório a desenvolver o medicamento. E eu era a cobaia. — Expliquei vagamente, olhando depois para o carro. — Fica com o resto, aproveita peças ou vende, o que quiseres. Tenho outro carro, do meu pai.

— Questiono-me se há um tratamento qualquer para essa tua atitude irritante. — Resmunguei quando já me sentia um pouco melhor, levantando-me depois. — Hey, eu não te pedi para o fazeres pois não? Não o queres eu fico com ele e mando arranjá-lo se quiser, mas deve ser noutro sítio, que a mecânica daqui só me trata mal. — Ri de forma sarcástica, olhando depois em redor. — O meu saco? Onde é que o enfiaste, Cinder? Preciso daquilo!

— Santa paciência. — Sussurrei e peguei nas minhas coisas, colocando os frascos que tinham caído de volta no saco. — Obrigado. — Apenas disse, quanto à medicação, e depois ajeitei a minha roupa. Estava todo dorido e cheio de dores, mas tinha de me pôr a andar. — Então está bem, bom proveito. Agradeço pela ajuda, mas vou andando antes que ainda atires uma dessas para mim.

— Atira lá, experimenta. — Resmunguei, aproximando-me dela. — Wow, és médica nos tempos livres? Podíamos ser coleguinhas, aww. Tu dizes que eu não te conheço nem sei nada da tua vida, o que é verdade. Mas tu também não sabes nada sobre mim, e quem está a julgar desde sabe-se lá quando és tu. Se faço o que faço, é porque tenho motivos para isso. Assim como tu deves ter um bom motivo para te baldares às consultas, como o masoquismo ou cena do género.

— Ui, que medo. — Revirei os olhos. — Eu não preciso de coisa nenhuma. Sabes lá há quantos anos eu tenho o que tenho. Não fales como se soubesses de tudo sobre os outros porque não sabes. Só estou dorido, tomo algo e depois passa. — Aproximei-me até ficar mesmo bem próximo e tirei-lhe a ferramenta da mão.

— Exatamente, não sabes nada sobre isto, não tem nada a ver com o teu probleminha da perna. — Bufei e permaneci igual, encarando-a — Senão o quê? Vais bater-me? Matar-me? — Ri-me da ideia mas, de súbito, tudo em mim começou a parar. Ouviu-se a ferramenta a cair no chão e logo em seguida o meu corpo, que logo começou a tremelicar. Agora é que estou fodido.