Prince of Wales Private Hospital

Continuei a sorrir, contente com a forma como as coisas tinham dado a voltar e a situação se tinha invertido. Agora ele precisava de mim. Encolhi os ombros - Eu não disse que a paga eram comprimidos. - o mais provável era serem mas para já queria manter a mente aberta já que não sabia quanto tempo ia ser obrigada a passar ali nem o que iria acontecer durante essa situação - Já venho. - disse lembando-me só que era papel liso a A3 mas não tinha paciência para lhe pedir para repetir o nome do papel - Não tenhas muitas saudades minhas. - acrescentei antes de virar as costas e me afastar.

-O quê? - Não estava a gostar daquilo. O que é que eu tinha mais para lhe dar sem ser comprimidos? Eu praticamente não tinha roupas para mim, até o meu tempo de visita era limitado para o caso de querer arranjar alguma coisa de fora. Abri a boca para falar e perguntar-lhe o que é que ela queria na verdade, quando ela começou a afastar-se. - Não te conheço, não vou ter saudades. - Resmunguei, mais para mim do que para ela, virando costas e sentando-me no sofá ao lado da cama. Só esperava não vir a ter problemas por causa dela.

Afastei-me do quarto do Aaron e caminhei pelo corredor de volta à sala de lazer onde encontrei a enfermeira irritantemente alegre - Estou a adorar a experiência. - disse-lhe sorridente - Até fiz um amigo novo. Pode dizer aos meus pais que está a correr tal como eles esperavam. - com alguma sorte livrava-me daquilo mais rápido do que era suposto - E não podendo desiludir o meu novo amigo preciso de folhas de papel não sei quê lisas A3. - disse-lhe tentando parecer super entendida no assunto apesar do "não sei quê" - Indique o caminho. - ela juntou as sobrancelhas enquanto me olhava antes de se decidir a ajudar-me realmente - Obrigada. - vasculhei o sítio que ela me mostrou até encontrar as folhas que o Rosinha queria - O meu amigo espera por mim. Foi um prazer. - acrescentei fugindo rapidamente dela já que tinha aproveitado para roubar o comprimido de um velho que estava entretido a ver televisão. Guardei o mesmo no bolso das calças para mais tarde enquanto caminhava de novo para o quarto do Aaron - Espero que não tenhas morrido se saudades. - disse sorridente enquanto atirava o bloco de folhas para cima da cama - Missão cumprida. Não estás feliz com a nossa amizade? - perguntei atirando-me para a cama dele.

Estava a adormecer sentado na cama quando Olivia entrou no meu quarto, com a sua voz alta e sorridente, mas que só continha alguma coisa que eu não percebia. Detesto pessoas novas.
Levantei-me assim que percebi que ela estava a entrar no meu quarto, mas antes que tivesse tempo de a impedir, ela já estava deitada na minha cama. Na minha cama!
-O que é que estás a fazer? - Perguntei, com os olhos no bloco de folhas que ela tinha mandado. Juntei as sobrancelhas, sem perceber onde é que ela as tinha arranjado, mas a minha mente voltou rapidamente para ela. deitada. na. minha. cama. - Sai da minha cama, estás no meu espaço!

Juntei as sobrancelhas com o ataque e falta de agradecimento! do Aaron mas relembrei-me que ele estava num hospital para malucos.. tinha de lhe dar algum desconto - Ahm.. estou na tua cama? - respondi ironicamente antes de ele ter um ataque e quase começar aos berros para eu sair da cama dele. Ok esta era uma primeira vez - Meu, acalma lá as hormonas. - disse levantando-me antes que ele tivesse um ataque e me atacasse ou assim, o miúdo era estranho - Trouxe-te as folhas. - constatei apontando para o papel - Não agradeças tanto.

Pressionei os lábios um no outro, forçando-me a ficar calado, caso contrário eu não me ia controlar e ia chamar a atenção de pessoas indesejadas. Cerrei o maxilar, observando-a a levantar-se lentamente.
-As minhas hormonas estão calmas. Tu é que estás dentro do meu quarto e eu já te disse que não te conheço. - Acusei entredentes. É uma regra que os pais nos dão quando ainda somos crianças e mal conseguimos compreender o que significa, "não fales com estranhos". Eu podia já ter falado com ela, mas isso não queria dizer que a deixasse respirar no meu espaço privado. - Obrigado pelas folhas. O que é que queres agora?

Estava irritada e ele não estava a ajudar. Claro que não estava a ajudar, era um maluco. Revirei os olhos para mim própria, chateada por os meus pais me terem colocado naquele inferno e ainda mais chateada porque queria mais qualquer coisa e em vez disso estava ali fechada sem nada - Não quero nada. - respondi-lhe simplesmente - Adeus perdedor. - disse saindo do quarto dele, aproveitando para tomar o comprimido que tinha roubada e caminhar até à sala de lazer one podia roubar o comando a um dos velhos e ver o que me apetecesse na televisão.

Quando não tinha mais ninguém no quarto, fechei a porta e voltei a sentar-me na cama. Queriam que eu e ela fôssemos amigos? Esperava que não me pedissem mais isso, porque eu não ia aproximar-me mais dela.
Agarrei nas folhas que Olivia me tinha arranjado - não sei como - e fui buscar o meu estojo de cores, sorrindo para mim quando comecei a fazer esboços de algo que ainda não tinha em mente. Ainda estava sob influência do calmante, o que me fazia ficar em piloto automático, mas os meus dedos não conseguiam parar.
Perdi a conta ao tempo, algo que acontecia demasiadas vezes naquele hospital, mas quando a minha barriga fez barulho e eu olhei para as horas, senti-me escaldar ao ver que já passava da hora de almoço. Soltei um grunhido, levantando-me para vestir o meu casaco negro, mas parei a meio do caminho ao fitar cuidadosamente o retrato que tinha deixado sobre a cama. Eu reconhecia a loira desenhada no papel - estava completo, não gostava de deixar as coisas a meio, não havia margem para dúvidas que... Virei-me para a minha secretária, abrindo a gaveta onde guardava todos os meus desenhos.
Há anos que eu desenhava uma pessoa que não reconhecia, pelo menos, não me lembrava de conhecê-la. Sempre odiei estranhos mas, de alguma forma, ela estava dentro da minha cabeça e sempre que eu não sabia o que desenhar, acaba por retratá-la a ela. O problema era que... a loira era a estranha que me tinha pedido comprimidos; Olivia.

Atirei-me para um sofá ignorando por completo o olhar que a enfermeira irritante me tinha lançado assim que me viu - a sair do quarto do Aaron e a roubar o comando ao velho que o tinha na mão - mas ignorei. O que é que ela ia fazer? Dizer aos meus pais e continuar ali? Já estava ali, não havia nada pior. Fui mudando os canais até parar num qualquer sem grande interesse. Não estava a prestar atenção uma vez que felizmente o comprimido que tinha tomado começava a fazer efeito, e se calhar o anterior também, e estava a ficar com uma grande moca - Isto até é interessante. - disse para mim própria com um sorriso nos lábios.

Saí do quarto com o desenho que tinha terminado nas mãos, andando lentamente pelos corredores intermináveis daquele hospital. Tive que parar à entrada da sala de lazer, ignorando o cheiro de comida acabada de fazer, para procurar pela loira enervante. Não demorei muito a encontrá-la, Olivia estava praticamente deitada no sofá do centro da sala, a olhar para um lugar que eu não conseguia perceber porque os seus olhos estavam tão apagados. Ela estava esquisita, mas eu já reconhecia os sinais e sabia que o meu comprimido não tinha sido o único que ela tinha tomado.
-Porque é que pareces mais uma paciente e não uma pessoa que trabalha aqui? - Quis saber. - Sabes, não podes simplesmente tirar ou pedir os comprimidos aos pacientes, há aqueles que precisam deles de forma regular. - Continuei, lembrando-me que o meu irmão podia ajudar no assunto.

Fiquei a olhar para as minhas mãos que naquele momento pareciam estranhamente interessantes. Eram umas mãos bonitas mas precisava de arranjar o verniz que começava a descascar no canto. Suspirei alto e deixei cair a cabeça no encosto do sofá. Estava a sorrir e bastante feliz até ao ouvir aquela vozinha irritante - O que é que queres, rosinha? - perguntei com um revirar de olhos - Não te preocupes comigo que eu também não me preocupo.

-Não estou preocupada contigo, estou preocupado com os outros pacientes. - Respondi, levantando as sobrancelhas. Eu devia mesmo falar com alguém, porque se era verdade e ela trabalhava ali, só estava a perturbar. Ultimamente, o meu humor não estava bom o suficiente para ter que ver pessoas como ela - muito menos pessoas estranhas como as que existiam ali. 
Voltei a concentrar-me nos pensamentos que me trouxeram àquele sítio e engoli em seco, observando o desenho que tinha feito de forma inconsciente. - Olivia. - Chamei, num tom mais baixo e o olhar focado no sofá em que ela estava deitada. - Eu fiz este desenho. - Estiquei-o.

- Os outros pacientes estão muito bem não vês? - perguntei com um novo revirar de olhos enquanto sacudia a mão numa tentativa vã de o enxotar dali de uma vez. Fechei os olhos novamente e ajeitei-me melhor no sofá onde me tinha deitado só abrindo os olhos quando voltei a ouvir a voz irritante do Aaron - O que foi? - perguntei irritada mas olhei para a folha que ele me mostrava - Hm. - semicerrei os olhos para tentar perceber o que estava a ver mas com a minha visão enublada precisei de piscar os olhos algumas vezes - Isso sou eu? - perguntei confusa - Fizeste um desenho meu?

Ela irritava-me e eu queria responder-lhe de forma certeira, mas mordi a língua até sangrar para não arranjar mais discussões. Primeiro queria saber porque é que andava a desenhá-la há anos. Não havia explicação lógica para isso; tal como nos sonhos, as pessoas não desenham pessoas que não conhecem sem razão, para isso, eu já a teria que a ter visto em algum lugar. Certo? Certo. Sim.
-Sim. - Respondi, clareando a garganta e sentando-me no sofá ao lado dela. - És tu. Acabei-o há uns minutos. - Admiti.

Endireitei-me no sofá ainda a olhar para a folha de papel que ele estendia à minha frente. Estava bastante bonito mas não ia admiti-lo em voz alta senão é que o rosinha não parava de me chatear - Hm sim.. - mantive as sobrancelhas juntas enquanto o olhava - Fizeste um desenho meu... e?

Eu podia estar na ala psiquiátrica de um hospital privado, mas não era completamente louco, sabia que não podia simplesmente perguntar-lhe tudo sobre a sua vida, muito menos mostrar-lhe que havia dezenas de desenhos do género na minha gaveta. - Nada. - Respondi. - Tu ouviste a enfermeira, eu tenho que ser teu amigo. - Passei uma mão pelo cabelo, num gesto nervoso. - E como primeiro gesto de amigo, vou-te livrar de um sermão. - Levantei-me, esperando que ela fizesse o mesmo.

Não estava mesmo a perceber onde é que ele queria chegar com aquilo. Tinha feito um desenho meu que por acaso até estava bem bonito mas... e? Mordi o lábio inferior para não rir. Tinha piada. Ou não. Mas apetecia-me rir - Amigos. - repeti esfregando os olhos - Costumas quase atacar os teus amigos? - perguntei de olhos semicerrados - Sermão? Não me digas que agora viraste padre. - perguntei com uma gargalhada enquanto o via levantar-se.

Ela fazia-me querer puxar as pontas cor de rosa dos meus cabelos. Já não conseguia percebê-la quando estava normal e agora, que ela estava obviamente drogada, muito menos eu compreendia. Fechei os olhos durante uns segundos, tentando manter a calma e contar até cinco. Estava prestes a sair daquele sítio, não ia dar razões para acharem que estava a piorar. - Podes vir comigo? És mesmo irritante. - Comentei entredentes. - Vais levar um sermão, mas não é meu. Vem comigo.

Revirei os olhos mas acabei por me levantar do sofá e segui-lo para onde quer que ele queria ir. A sério só eu para aturar malucos. Suspirei e voltei a olhar para ele - Onde é que vamos afinal? - perguntei confusa - Vais matar-me ou assim? Por favor, sou muito nova para morrer. - disse com uma expressão sofrida.

-Para as escadas. - Respondi. Tinha decorado todos os lugares onde me podia esconder de quem queria, as escadas era para onde deveria passar a maioria das pessoas, mas hoje em dia todos estavam demasiado preguiçosos para tal. - Não. - Fiz uma careta. Porque é que ela pensava uma coisa delas? - Ninguém que está aqui é perigoso.

- Para as escadas? - repeti com uma careta - Queres curtir ou assim? - com que objetivo, para além de curtir, é que alguém iria para umas escadas? - Mas eu não quero curtir contigo. És muito irritadiço. - encolhi os ombros mas continuei a segui-lo já que não tinha muito mais que pudesse fazer - Isso é o que tu achas. Sabes lá se não há para ai um maluco assassino.

Curtir? Fiz uma careta, mas não demorei muito tempo até perceber o que ela queria dizer. - Eu não quero ter nada contigo.  - Tirei-lhe o desenho da mão antes que ela o dobrasse ou estragasse de alguma maneira. Fechei a porta atrás de mim quando chegámos ao local que queria, mas parei no início das escadas quando ouvi a palavra que eu mais detestava. - Se há alguém maluco aqui és tu.

- Graças a deus. - disse olhando para o tecto onde se encontraria deus - Eu também não quero nada contigo. - olhei em volta quando chegámos à zona das escadas e voltei a olhar para ele quando me chamou maluca - Não vou discutir isso. - encolhi os ombros - Bem, obrigada por me indicares o caminho para a minha fuga. - levantei a mão para lhe acenar - Até nunca Rosinha. - disse-lhe antes de descer as escadas para sair daquele fim de mundo e voltar ao apartamento.

Abri a boca, pronto para começar a explicar-lhe porque é que queria conhecê-la melhor e porque é que era tão estranho, como ela devia pensar que eu era, quando ela saiu. Assim, de forma simples. Despediu-se de mim e desceu as escadas sem se preocupar com o trabalho que tinha para fazer. Eu não a percebia e, definitivamente, não gostava dela.
Saí daquele sítio, não querendo ser apanhado por nenhuma enfermeira ou auxiliar, elas iriam logo pensar que eu estava a tentar fugir e pedir ao meu médico para me manter ali mais tempo. 
-Aaron. - Virei-me para trás, não me surpreendendo quando ouvi a enfermeira que mais gostava a chamar-me. - Decidiram dar-te alta, os teus pais estão na entrada. - Sorriu-me, como se aquela fosse a melhor notícia. Não era. Eu queria sair dali, mas não queria voltar para casa com os meus pais. Deviam ter-me dito mais cedo! A primeira razão por eles terem sido obrigados a levarem-me para ali, foi porque eu não estava a lidar bem com eles. Os meus pais não funcionavam juntos e quando tentavam comunicar comigo, não o faziam da melhor forma. Estava melhor sozinho. Ainda não tinha compreendido como é que eles tinham sido capazes de mandar o meu irmão para longe deles e de mim, Axel não era nenhum mau exemplo como eles aclamavam. Se ele tinha algum problema, era por causa deles e do dinheiro. - Anda, acompanha-me. - Juntei as sobrancelhas, sem vontade e com o estômago a doer de fome, visto que tinha desistido do almoço por causa de Olivia.
A enfermeira levou-me primeiro até ao meu quarto, obrigando-me a arrumar as minhas coisas e a vestir a roupa que os meus pais tinham trazido para mim. Revirei os olhos, eu não gostava de gostava de camisolas brancas, mas eles não me conheciam e não se importavam minimamente em tentar. Peguei nos desenhos e no estojo de pintura, colocando tudo numa mala pequena, e voltei a seguir a mulher, desta vez, até à entrada, onde estavam as duas figuras paternais que tinha.

Tinha passado quase a noite inteira em bares e na rua a beber, como acontecia em quase todas as noites ultimamente. Era basicamente a isso que a minha vida se resumia. Foi por isso que acabei por acordar apenas a meio da tarde, com o meu telemóvel a tocar bastante alto junto aos meus ouvidos. Resmunguei para mim e peguei na almofada, tapando a minha cabeça, enquanto vários resmungos baixos saiam da minha boca. O telemóvel continuou a tocar, o que me irritou bastante. Levantei-me da cama depois de atirar a almofada pelo ar e olhei para o ecrã do telemóvel. Logo atendi o mesmo quando percebi que era do hospital onde o Aaron estava. Fiquei bastante preocupado, como ficava em tudo o que se relacionava com ele, porém logo fiquei melhor quando me disseram que ele tinha tido alta. Arranjei-me de forma rápida, não me preocupando com as dores de cabeça que tinha e com o fato de estar de ressaca. Corri para fora de casa e conduzi depois até ao hospital, chegando ao mesmo em poucos minutos. Não me admirei nada quando ao entrar lá logo me deparei com os nossos pais e revirei os olhos para mim próprio caminhando calmamente até à zona onde eles estavam, ignorando os dois, assim como provavelmente eles iriam fazer comigo. - Aaron. - disse assim que os meus olhos o encontraram e um sorriso acabou por aparecer nos meus lábios. O Aaron era a única pessoa de quem eu gostava no mundo inteiro, e era muito bom saber que ele ia sair daquele hospital. - O Aaron vai comigo. - eu apressei-me a dizer, enquanto andava até ele, preparando-me para lhe pegar nas coisas.