Prince of Wales Private Hospital

Primeiro dia naquele fim de mundo, tinha acabado de meter os pés no hospital e já estava com vontade de cortar os pulsos. Ainda por cima estava com uma dor de cabeça horrível pela falta de drogas, o que não ajudava em nada.
- Vem comigo Olivia. - disse uma enfermeira sorridente que devia achar de mais os meus pais obrigarem-me a estar ali como castigo por andar metida em vícios e não ser a princesinha perfeita que eles esperavam que fosse - Aqui é a sala de lazer, fica à vontade, já venho ter contigo.
Assenti com a cabeça e voltei a fazer uma careta enquanto olhava em volta. Estava no meio de malucos, que divertido. Aproximei-me de um rapaz que parecia ter a minha idade - Hey, tu. - chamei olhando-o - Que cenas é que te dão por aqui? Diz-me que ainda tens algum comprimido ai guardado.

Quando acordei havia um estojo de lápis em cima da minha cama, mas ao contrário do que eu tinha pedido, só existia papel branco na sala de convívio. Mordi o lábio inferior, irritado com o papel brilhante, e acabei por mandar tudo para o lado, desistindo de pintar.
Bufei para o ar, começando a organizar os lápis por cor, mas fui interrompido por uma voz que estava perto de mim. Levantei o olhar para a rapariga que estava à minha frente, olhando para os lados, à espera que ela estivesse a falar com outra pessoa, mas raras eram as pessoas que estavam na sala de convívio de manhã. Desci o olhar para os lápis que tinha na mão e deixei-os cair, pegando na caixa de comprimidos que trazia no meu bolso. - E quem és tu?

Olhei para o rapazinho à espera de uma resposta que nunca mais vinha mas sorri mal o vi tirar a caixa de comprimidos do bolso - Não vais ser invejoso pois não? - perguntei apontando com o queixo para o que ele tinha nas mãos - Olivia Wells. - apresentei-me agora mais sorridente que antes devido à perspetiva de ir tomar qualquer coisa em breve - E tu cor-de-rosa?

Semicerrei os olhos na sua direção mal o vi guardar novamente a embalagem no bolso e senti-me tentando a lançar as mãos para as suas calças mas consegui controlar-me - Pelos vistos és. - resmunguei entre dentes a sentir novamente aquela dor de cabeça irritante - É o meu novo trabalho. E não faz mal, ficas Cor de Rosa. - sorri irónicamente.

Eu não gostava de Olivia. Ela sorria demasiado, mas nenhum sorriso parecia verdadeiro, e a forma como falava comigo não era muito normal. Nem sequer me conhecia e já estava a pedir-me coisas! Isso era natural? - E o que é que fazes aqui? Em que é que trabalhas? - Quis saber, se a ia ter que ver todos os dias, queria saber o que é que ela fazia. Os meus pais diziam que eu me tornava obcecado, quando queria conhecer alguém, mas não era normal querer conhecer os desconhecidos?
Reprimi um grunhido, detestava aquele sítio, havia sempre alguém novo que me irritava. - O meu nome não é Cor de Rosa!
-Aaron. - Uma voz que já reconhecia como sendo Mercy, a enfermeira, fez-me virar a cabeça para o outro lado da sala. - Fala com a Olivia, precisas de fazer amigos, lembras-te? - Revirei os olhos, ainda com as mãos cheias de lápis e a agarrar no estojo novo.
-O que é que queres? - Perguntei, resignado.

O meu olhar continuava no bolso das calças do Cor de Rosa, onde ele tinha voltado a guardar os comprimidos. Precisava urgentemente de alguma coisa, estava há muito tempo sem consumir nada e se ia passar ali o dia a aturar malucos precisava mesmo de tomar fosse o que fosse - Sou responsável por recolher medicamentes não usados. - respondi com um revirar de olhos - Por isso podes passar para cá os teus. - olhei por cima do meu ombro quando ouvi novamente aquela vozinha irritante - Aaron ouviste a senhora, temos de ser amigos. Dá cá um comprimido.

Levei inconscientemente a minha mão ao meu bolso, não querendo que ela levasse nada do que era meu.
-Isso é mentira, nunca ninguém me tirou os comprimidos e eu já passei por aqui muitas vezes. - Acusei. Olhei de novo para Mercy, semicerrando os olhos quando vi que ela estava a apreciar todos os meus movimentos. Detestava-os a todos. - Não te vou dar nada. Eles são meus! - Resmunguei, quando ela continuou a insistir. As pessoas diziam que eu era maluco, mas Olivia ainda era mais.
Voltei a sentar-te, concordando comigo próprio que o melhor era tentar jogar o jogo que estavam a jogar comigo. De todos os meus "colegas", ela era a única que se tinha dignado a falar comigo, por isso, era com quem eu ia tentar falar, mesmo não gostando. - Para que é que queres os comprimidos? - Perguntei, voltando a agarrar nos lápis que me faltavam para continuar a arrumá-los de forma correta. - São calmantes, estás nervosa?

Controlei-me para não voltar a revirar os olhos. Haja paciência para aturar esta gente - É um serviço novo. - respondi secamente com a dor de cabeça a aumentar ainda mais devido aos gritinhos irritantes do Cor de Rosa que era uma péssima pessoa e não se dignava a partilhar. Acabei por me atirar uma sofá que estava ali perto, escusava de estar em pé já que ia passar ali o dia e voltei a olhá-lo quando o ouvi - Sim, estás a deixar-me nervosa. - respondi olhando-o e para o monte de lápis que tinha ali ao pé - Já me podes dar um comprimido?

-Tu é que tens os teus problemas, eu não fiz nada. - Resmunguei. A minha cabeça já começava a doer de ter que estar a ouvi-la. Mordi o lábio para esconder um sorriso, tirando um dos comprimidos da caixa que tinha nos bolsos, levando-o à boca e fingindo estar a saboreá-lo. Reprimi uma careta, devido ao sabor amargo, e comecei a agarrar nas coisas, mais uma vez, para sair dali e deixar de a aturar. Eu sabia quais eram os meus limites, e ela estava a ultrapassar até os meus limites espaciais. - Não.

Semicerrei os olhos quando o cabrãozinho tirou um comprimido da embalagem mas em vez de mo dar levou-o à boca e pôs-se com ar de quem estava a saboreá-lo. E eu tinha sentido pena dos malucos por uma milésima de segundo! - Estou quase a ir-te à boca. - murmurei entre-dentes bastante tentada a arrancar-lhe o comprimido da boca ou melhor, atacar o bolso das calças e tirar logo a embalagem toda - És um irritantezinho não és? - perguntei levantando-me também, ele que não pensasse que se ia ver livre de mim, muito menos depois do que tinha feito.

Sempre me perguntei se era eu que era burro, ou se as pessoas é que não diziam coisas que eu percebia. Passei a mão livre pelos lábios e olhei para trás, vendo que ela estava decidida a vir atrás de mim. Revirei os olhos, apertando a maleta de cores ao peito. - Algumas pessoas dizem que sim. - Assenti, continuando com o meu ato. - Mas não lhe ficas nada atrás. - Mandei um olhar irritado à enfermeira que nos mandou ser amigos, antes de entrar no corredor. - Sabes... - comecei a andar de costas para a observar enquanto falava - eu consigo perceber quando é que as pessoas mentem. Se me disseres porque é que estás aqui - sorri - posso dar-te um. - Acrescentei num tom baixo, para que as pessoas que também passavam por nós não nos ouvissem.

- Essas pessoas têm razão. - a minha expressão irritada foi substituída por um sorriso quando ele disse que eu também era irritante - Aww obrigada. - continuei a caminhar atrás dele decidida a segui-lo para onde quer que fosse - A sério? É o teu super-poder? - perguntei meio irónica - Já te disse, estou aqui a trabalhar. É o meu castigo por ser tão boa pessoa; os meus pais acham que eu preciso de partilhar a minha sabedoria com os necessitados. - olhei novamente para ele - Agora dá-me um comprimido.

As pessoas são tão esquisitas, é por isso que mal as consigo olhar nos olhos. Já devia estar habituado a lidar com elas, no topo das pessoas estranhas estavam os meus pais. Eles é que eram os culpados de eu estar ali; pensavam que era um miúdo que não compreendia nada do que se passava sempre que tinha um dos meus "surtos", como eles chamavam. Era mesmo eu que tinha que saber lidar com a arrogância deles?
Suprimi um grunhido, sentindo o efeito dos comprimidos começarem a fazer efeito, os meus pensamentos ficavam sempre baralhos e descontrolados, não percebia que tipo de calmamente era aquele.
-Porque é que te castigaram? - Quis saber, mas antes que ela pudesse responder, tive que a interromper. - Nós não somos necessitados. - Resmunguei no mesmo tom de antes, tirando um dos comprimidos, tal como lhe tinha prometido se ela me contasse a verdade.

Encolhi os ombros ao ouvir a sua pergunta em relação ao castigo - Castigaram-me porque não sou aquilo que eles queriam que eu fosse. - voltei a encolher os ombros naquela minha pose que fingia que não estava nem ai para o que os meus pais achavam de mim apesar de me magoar mas apenas muito lá no fundo obviamente - Está bem Rosinha. - estiquei a mão na sua direção quando ele se dignou a tirar finalmente o comprimido para mim - Qual é a cena do cabelo? - perguntei apontando para o mesmo com o queixo - É uma cena de artista? - perguntei recordando-me que ele estava à volta de lápis e folhas de papel lá na sala e que ainda agora apertava contra o peito um enorme estojo de lápis de cor.

Juntei as sobrancelhas, pensando nas suas palavras. Para os meus pais, eu e o meu irmão também não éramos aquilo que eles queriam. Eles tentavam que eu fosse, tinham orgulho quando eu fazia coisas que as outras pessoas não conseguiam fazer, mas quando eu mostrava que o que eu gostava era de pintar, eles não sabiam mais formas de me controlar. - Não somos assim tão diferentes, afinal. - Comentei, parando à porta do meu quarto. - Não me chamo Rosinha. - Resmunguei, abrindo a porta para ir arrumar as coisas. - Eu gosto de cores, porque é que não posso ter o meu cabelo cor-de-rosa?

Mantive o meu olhar fixo no dele à espera da sua resposta e quando o vi todo pensativo sabia que ele ia dizer algo do género - Aww somos tão adoráveis. - encostei-me à ombreira da porta que deveria ser do seu quarto já que ele foi lá arrumar o seu precioso estojo e encolhi os ombros - Não disse que havia um problema, só perguntei. É giro. também tive o cabelo cor de rosa. - confessei atirando o cabelo para trás - Há um tempo. E tens tatuagens. - constei observando alguma tinta na sua pele, nada que me desse para perceber do que se tratava ou qual a sua dimensão - Isso é sexy.

Entrei no quarto, pousando o estojo cuidadosamente no lugar que tinha designado para ele. Senti um sorriso formar-se nos meus lábios quando ela me disse que também já tinha tido o cabelo cor de rosa. - A sério? - Deslizei o olhar para as minhas tatuagens, passando os dedos por algumas delas. - Eu fiz algumas delas. - Admiti, mas parei de falar, semicerrando os olhos na sua direção quando me lembrei que não a conhecia assim tão bem. - Porque é que as pessoas só vêm as tatuagens como algo sexual e não como arte? Eu não compreendo o vosso tipo.

- A sério. - respondi-lhe de volta - Mas achei que estava na altura de voltar às origens. - e até tinha estado bastante tempo com o cabelo cor de rosa pelo que me tinha fartado como acontecia com tanta coisa. Revirei os olhos com o seu comentário filosófico e irritadiço - Mas eu não disse que eram só sexys. A arte também é sexy. - encolhi os ombros novamente com o olhar fixo na bocada porção de tatuagem que era possível ver - Que tatuagens fizeste?

-Mas foi a primeira coisa que pensaste quando as viste no meu corpo. - Mostrei-lhe um sorriso espertinho, desviando o olhar rapidamente. Tinha-a tentado provocar com o comprimido e agora estava a arrepender-me; sentia-me estranho e desnorteado. Olhei para o meu braço ao ouvi-la perguntar sobre as tatuagens e ia arregaçar a manga para lhe mostrar as que mais gostava quando me lembrei, de novo, que não a conhecia. - Eu não te conheço, não te posso mostrar. - Abanei a cabeça, recuando um passo. Era estranho ter que me forçar a recordar que não a conhecia, normalmente não conseguia falar com desconhecidos, muito menos, deixá-los tão perto do meu quarto.

- Estamos tão engraçadinhos. - constatei ao ouvir o seu comentário. O comprimido que ele me tinha dado ainda não estava a fazer efeito e tinha medo que só aquele comprimido não fizesse qualquer efeito... vida triste... ao menos a dor de cabeça estava a passar, muito ligeiramente, comigo distraída a aturar o Aaron. Os meus pais iam ficar orgulhosos - És sempre um desmancha-prazeres. - disse com um revirar de olhos.

-Obrigado. - Agradeci, quando ela disse que estávamos engraçados.
Olhei para o meu estojo, perguntando-me se alguém diria aos meus pais se lhe pedisse alguma coisa. - Hm... - aproximei-me dela de novo, escondendo os meus braços no casaco que tinha vestido. - Já que trabalhas aqui, consegues arranjar-me papel schoeller liso A3? Eu não gosto das folhas normais que me dão... - Mordisquei o interior da bochecha, deixando o meu olhar deslizar até ao chão.

Apesar de ele me irritar ligeiramente não tinha mais nada de interessante para fazer naquela espelunca por isso mais valia estar ali e ir falando com ele. Juntei as sobrancelhas quando ele se decidiu a pedir-me um favor. Isto ia ser divertido - Se arranjar ficas a dever-me uma. E isso significa que posso cobrar quando quiser e como quiser. - disse sorridente desencostando-me - Combinado?

As suas condições fizeram-me juntar as sobrancelhas. Nem devia estar surpreso com a forma de chantagem subtil que ela criou com o meu pedido, ela tinha começado logo a pedir-me comprimidos, ainda mais me conhecia.
-Eu não te posso dar muitos. - Disse de imediato. - Eu tenho que mostrar que estou a tomá-los, se quero sair daqui. - Não era como se voltar para casa dos meus pais fosse uma vitória, mas estar ali, rodeado de pessoas que não conhecia e obrigado a estar em zonas comuns... não. Voltei a olhar para o meu quarto, para os desenhos espalhados pelas paredes, e suspirei. - Está bem.