Books & Tea Café

Folheei as páginas iniciais do livro, para o conhecer e me distrair, e só levantei o olhar ao ouvir uma voz feminina perguntar-me se queria algo. Sim, eu queria o bar antigo para poder embebedar-me, como já antes tinha planeado. Olhei em volta, tentando perceber o que é que o café tinha, focando os olhos na placa junto da entrada. - Chá de limão e bolachas de mirtilos. - Respondi, satisfeito com a minha escolha saudável, mas quando voltei a fitá-la, ela estava a fazê-lo na minha direção com alguma persistência. Quase que revirei os olhos; eu estava com mau aspeto, mas não era preciso olhar-me daquela maneira.

Fechei o livro ao ouvi-la dizer que me conhecia de algum lado e soltei um suspiro leve, não tendo tempo de lhe explicar que não me lembrava dela, visto que a rapariga foi logo tratar do meu pedido. Tentei lembrar-me de alguma coisa, se a conhecia tinha que ser antes do acidente, porque mal tinha saído de casa até hoje. Ela também tinha sotaque diferente, mas já ligeiramente modificado por algum tempo passado em Sydney. - Merda. - Resmunguei para mim mesmo, não me conseguindo lembrar dela, apesar de sentir que ela não me era totalmente desconhecida.
Recostei-me contra a cadeira, observando-a a vir na minha direção, e fiquei ainda a sentir-me pior quando ela acertou no meu nome.
-Sim... - Assenti, lentamente, antes de fazer uma careta. - Desculpa... eu tenho um probl-- como é que te chamas? - Nem me deixei terminar, tentando compreender de onde é que a conhecia. Que eu me lembrasse, não tinha amigos chegados na cidade.

Daisy, eu sabia aquele nome. Lembra-te, lembra-te, lembra-te. Aposto que a certo ponto lhe tinha começado a chamar Day. Endireite-me na cadeira, percebendo que ela contar-me de onde é que a conhecia, e assenti bastante ao relembrar-me do bar, continuando a fazê-lo, sem tanto entusiasmo, para responder à sua pergunta. - Sim, eu tinha. - Respondi alto, depois de clarear a garganta. - Oh... - Desviei, por segundos, o olhar para o meu chá quente, e forcei um sorriso ligeiro. - Obrigado. - Agradeci. - Mas estavas a dizer que falavas com... a Dinnah?

Mordi o lábio inferior, tendo vagas imagens de Dinnah no bar, a falar com alguém, enquanto eu preparava tudo para os concertos. Não me lembrava de falar com ela, mas já começava a perceber de onde é que sentia que a conhecia, pelo menos, fisicamente. - Sim, ela não tinha muitas amigas, por isso, já começo a perceber quem tu és. - Mostrei-lhe o meu sorriso falsificado de sempre, e levei a chávena à boca, sentindo-a ainda quente contra os meus lábios. - Não estás. - Reconfortei-a. - Era um bom sítio - continuei - mas não era propriamente muito bem falado.

As minhas sobrancelhas levantaram-se com a pergunta, para além da minha irmã, eram poucas as pessoas que tinham a preocupação de me perguntar se estava bem, por isso, para uma pessoa que não me conhecia, eu devia estar mesmo com mau aspeto. Uma coisa era certa: as minhas calças estavam a cair.
-Não. - Abanei a cabeça. - Não fizeste nada, podes até sentar-te, se quiseres - Fiz uma careta, ponderando se devia contar-lhe alguma coisa ou não. Elas falavam e podiam não ser amigas, mas conheciam-se e davam-se bem, ela tinha algum direito de saber, já que tinha demonstrado que não sabia que ela estava morta. - Eles morreram todos... num acidente. - Acabei por dizer. - Incluindo ela.

Dei um grande gole no meu chá, sem grande apetite para as bolachas, e assenti-lhe, para que ela interiorizasse a informação. É sempre chocante saber que morreu alguém com quem tivemos há pouco tempo atrás. - Não faz mal. - Encolhi os ombros. - Quer dizer, faz mal, mas... - Decidi pôr uma bolacha na boca, porque a verdade é que nunca sabia o que dizer, quando alguém me começava a dizer que lamentava o que tinha acontecido. - Agora sou só eu.

-Não faz mal. - Voltei a repetir. - Não tens culpa de nada. - Remexi a chávena de chá de limão. Não me sentia assim tão mal quanto esperava sentir-me, acho que estava a adaptar-me aos poucos, o problema era mesmo as insónias. - Eu sei. - Assenti, percebendo que a minha frase tinha saído mais dramática do que eu esperava. - Eu sei, eu vou ficar bem, mas nunca se recupera totalmente depois da morte da pessoa com que pensávamos que íamos passar o resto da vida. - Comi uma das bolachas, forçando um sorriso de boca fechada. - Mas eu não te quero deprimir, diz-me só o teu nome... uma vez mais, se é que já disseste. - Fiz uma careta.

Fitei-a enquanto ela olhava para a janela ao nosso lado, mordendo o lábio inferior ao sentir o significado das suas palavras. - Estás a falar de ti. - Constatei. - Eu adoro quando desabafam comigo de forma indireta. - Sorri de verdade pela minha estupidez. - Eu tenho punhos fortes se precisares! - Não andavam muito fortes ultimamente, já tinha parecido melhor. - Desculpa. Eles morreram e eu fiquei um bocado esquecido.

-Foi. - Assenti, bastante certo de que tinha sido um desabafo. Estendi-lhe o prato de bolachas na sua direção, obrigando-a a aceitar, e ia dizer que ela podia desabafar à vontade, quando a ouvi falar de novo. - A sério? Eu acho que ficava lindo com caras de todas as pessoas que conhecer espalhadas pelo meu corpo. - Sorri, com um abanar de cabeça. - Tu és do outro lado do mundo. - Voltei a constatar. - O teu sotaque ainda não engana ninguém.

-Nós passámos lá dois meses. - Admiti, tentando tornar o assunto leve. - Conseguimos estadia grátis e bons concertos. - Encolhi os ombros, rindo-me ligeiramente. - É o que vos dá charme, tenho que admitir, por isso não o percas. - Sorri, pousando os cotovelos sobre a mesa para me apoiar. Os meus pais sem me disseram que era má educação, mas eles não estavam ali, pois não? - Por acaso sabes se precisam aqui de mais alguém? - Perguntei. - Para trabalhar.

-Eu sou um homem que precisa de muito sol. - Sorri. - Mas não desgostei. - Quando se está com pessoas fantásticas que não perdem oportunidade para se aventurar, pouco se liga ao clima ou o lugar, o momento é o que interessa.
Assenti enquanto ela me dizia que uma rapariga tinha sido despedida. Eu não sabia bem o que fazer, já tanta gente me tinha dito que não, que não sabia se valia a pena. - Está bem, obrigado pela informação. - Agradeci, vendo-a levantar quando uma senhora chegou com sacos nos braços. Mal tive tempo para pensar se haveria de falar com ela ou não, quando a senhora começou a vir na minha direção, apresentando-se e perguntando-me se precisava de alguma coisa. No meio de tanta atrapalhação, até me esqueci de dizer o meu nome, começando por esbanjar todos os problemas de memória que tinha, contando-lhe que estava a melhorar aos poucos, mas que não sabia até que podia me podia prejudicar no trabalho. A senhora assentiu, parecendo não ter tanto receio quanto os outros, e disse que ficava à experiência e com acompanhamento, até tentar perceber se conseguia trabalhar ou não.
Arregalei os olhos quando a senhora me deu dois beijos nas bochechas e se foi embora, sem perceber como é que aquilo tinha acontecido. Ainda há três horas atrás estava a chorar abraçado à minha irmã porque a minha vida estava destruída e agora já tinha emprego. Respirei fundo, não querendo ganhar grandes expectativas, ainda podia correr tudo muito mal.
-Daisy. - Chamei, sorrindo interiormente por me lembrar do nome dela.

Recostei-me na cadeira, vendo-a caminhar até à minha mesa. - Acho que vou ser teu colega... pelo menos por enquanto. - Fiz uma careta, agarrando no livro que tinha pegado para ler, ao mesmo tempo que me levantava. Estava a ficar tarde e o chá tinha ajudado com a dor de cabeça, mas não com o cansaço. - E vou andando. - Anunciei. - Pago ao balcão.