[Geral] Casa

Olhei para a janela que seria da sala, felizmente não havia luz, o que queria dizer que a minha mãe já se tinha deitado. Virei depois a atenção para Alessia e abanei a cabeça, discordando quando ela me dizia que não ia acontecer nada. - Isso és tu que não podes prometer - disse, lembrando-me de quando ela me dissera que não podia prometer não voltar a desaparecer.
Deixei que ela agarrasse no fio e só não saí de imediato porque ela quis saber mais sobre o que aquilo significava. Observei a aliança, era de ouro branco e tinha no centro uma pedra maior verde, de esmeralda, como a minha avó Émeraude. Mordi o lábio inferior e encolhi os ombros. - É da minha avó, já foi da avó dela, ela deu-me quando ficou doente, disse para guardar até encontrar uma rapariga a quem quisesse dar. - Admiti. Aquilo tornar-se irónico, tendo nós chegado de um casamento.
Voltei a olhar para a rua e comecei a sair, deixando a cabeça baixa o suficiente para a conseguir ver. - Não te vou convidar a entrar hoje, a minha mãe não ia gostar de não ser avisada. Mas podes aparecer quando quiseres e se quiseres.

Abanei a cabeça tristemente.
- Por isso é que não prometi, Roy. - murmurei, mordendo o interior da bochecha. Quem me dera conseguir prometer e cumprir, assim tirava um pouco da sua dor.
Não. Não. Não.
Não poderia continuar a pensar assim. Eu não podia ser tão simpática com o rapaz que me deixara, sem qualquer aviso. Sem qualquer oportunidade de despedida.
Senti os meus olhos lacrimejar e olhei para ele, com a visão turva.
- Não sabes se eu sou essa rapariga. - murmurei, engolindo em seco. Poderia ter sido. Agora? Estávamos naquela posição. - Mas eu guardo-o. - assegurei, um pouco mais alto.
Assenti perante as suas palavras e suspirei, nem pensando antes de lhe dizer.
- Moro no 7A. D. Nos The Kent do outro lado da cidade. - informei-o. - Se precisares de alguma coisa. - acrescentei, distraindo a colocar o fio ao pescoço, já que não o queria perder por pousar em qualquer lado.

-Tu és a rapariga que confio para o guardar - disse. Tinha-me bastado vê-la de novo para saber que ela poderia ser a pessoa a quem queria dar o anel, mas com todas as preocupações e problemas que a minha vida tinha, não podia dar-lho. Não lhe podia dar muito de mim. - Não sabemos o que o futuro nos traz ou nos tira.
Observei-a a colocar o fio ao pescoço e fui afastando-me ao mesmo tempo que ela me dava a sua morada. Assenti com um pequeno sorriso. Aquela morada era nova, o que queria dizer que ela ou vivia sozinha ou vivia numa nova casa com a família. - Não vou precisas, mas vou aparecer. - Garanti, fechando a porta do carro. A minha casa também era nova, mas não tão boa quanto a outra. Tinha que arranjar um trabalho o mais rápido que conseguisse e a minha mãe tinha que pensar em descansar, ela estava sempre à beira de um colapso nervoso, por isso não a ia deixar trabalhar demais. - Até amanhã. - Despedi-me antes dela ir embora.

Engoli em seco, afastando as lágrimas que as suas palavras me causavam. Ele confiava em mim, mesmo passados cinco anos.
Ele confiava em mim.
E eu confiava nele.
Sorri-lhe de forma doce quando disse que iria passar por lá, mesmo que não precisasse e liguei o carro, já depois de ele ter fechado a porta.
- Até amanhã. - despedi-me, sentindo a esperança daquelas palavras. Haveria um amanhã. Haveria outra chance de o ver no futuro.
Esperei que ele entrasse em casa e só depois parti, soltando um grande suspiro. Nunca pensei, naquela manhã, que aquele seria o dia em que o voltaria a ver. Claro que havia esperança, devido aos rumores, mas...
Abanei a cabeça e concentrei-me na estrada. Estava cansada e precisava de ir dormir, depois daquele dia cheio de emoções.

Não sei quanto tempo estive a olhar para a parede branca e velha da cozinha, sentado numa das cadeiras da sala de jantar. Revivi todos os momentos que tive com a minha família, todas a desavenças ao logo dos anos. Ela podia ter-me facilitado muito a vida simplesmente desaparecendo cinco anos mais cedo, deixando o meu irmão comigo. Provavelmente, dessa maneira, estaríamos todos vivos, pelo menos, ele estaria. Em França, durante anos tivemos que andar de casa em casa, prejudicando-me os estudos vezes sem conta, ainda mais do que já estavam por ter fugido da Austrália... Cobarde. Éramos todos uns cobardes, uma família de cobardes.
Os meus pensamentos eram todos negativos, perguntava-me se me estaria a tornar numa pessoa horrível. O dia anterior tinha sido uma pequena amostra da pessoa em que me tornara.
Peguei na folha e num isqueiro que estava por perto, começando a queimá-la tal como me tinha pedido. Odiava fogo. Desde que tinha acordado no sofá com a nossa casa em chamas... odiava tudo o que desse fogo. No preciso momento em que apaguei a chama do papel, ouvi o meu nome. Era Alessia. Endireitei-me, sem conseguir dizer nada, a minha voz não saiu.
Mesmo assim, tive que me forçar a levantar, os meus membros estavam pesados, mas acabei por aparecer à porta do corredor, observando-a.
- O que é que estás aqui a fazer? - Perguntei, mais baixo do que desejava.

Estava a decidir se deveria espreitar cada divisão quando, de repente, Roy aparece no corredor, olhando para mim e perguntando o que é que eu estava ali a fazer.
Arqueei o sobrolho ao ver o seu estado e aproximei-me dele, preocupada. Fui obrigada a torcer o nariz ao sentir o cheiro a queimado.
- O que é que estiveste a fazer? - perguntei, alarmada, espreitando para a divisão de onde ele saíra. Estava tudo bem. - Roy, tu ligaste-me. Não voltaste a atender-me depois disso. - virei-me para ele. - O que é que se passa? - questionei, aproximando-me mais e obrigando-o a olhar-me.
Ele parecia fora de órbita. Miserável. Não conseguia realmente compreender o que é que se estava a passar com ele naquele momento. Precisava que ele falasse comigo, porque a preocupação já estava a fazer o meu estômago andar às voltas.

A minha mente esqueceu-se que lhe tinha ligado, mas ela tinha vindo por causa disso? Abanei a cabeça, procurando sintonizar o meu cérebro ao que realmente estava a acontecer. Estava tão apático que não conseguia processar nada. Não tinha ouvido o meu telemóvel a tocar, mas mesmo que tivesse, duvido que atenderia.
- Entra - murmurei, mesmo ela já estando lá dentro. Fui até à porta da entrada para a fechar e engoli em seco, perguntando-me se estaria a fazer bem ao deixá-la entrar. Voltei a abanar a cabeça, Alessia era uma Campbell, mas não havia nada de perigoso nela. - Queres alguma coisa? - Perguntei de forma automática, voltando até à sala de jantar, onde estava o papel metade queimado. Parei junto à mesa e fitei Essie. - Acho que preciso fazer compras, queres vir comigo?

Observei a sua figura. Ele estava a assustar-me. Parecia sem reação, quase como um robot programado para aquele estranho momento.
- Roy? - chamei, confusa, vendo-o a ir fechar a porta. Segui-o depois para o interior da cozinha, estranhando ao ver um papel metade queimado. - Roy, o que é que se está a passar? - questionei, preocupada. - Estás a assustar-me. - admiti, engolindo em seco.
Agarrei no seu braço com cuidado, fazendo-o virar-se para mim.
- Fala comigo. - pedi, procurando encontrar os seus olhos com os meus.

Depois de tantas vezes a desiludir-me e a magoar-me, não devia continuar a sentir da mesma forma de quando ainda estava na cidade. Deveria estar mais forte, mas continuava a sentir demasiado; em tanta demasia que chegava a não conseguir demonstrar nada.
Levantei o olhar até voltar a fitar Alessia assim que me virou para si, mas rapidamente voltei a fitar a folha meia queimada que estava em cima da mesa, pegando nela e desfazendo-a aos bocadinhos.
- A minha mãe foi-se embora. - Anunciei. - Ela fugiu.

Quando o seu olhar se cruzou com o meu, não soube identificar o que via neles. Não parecia Roy. Não parecia o rapaz que eu melhor tinha conhecido há uns anos.
Observei-o a rasgar o resto da folha em pedaços e engoli em seco, agarrando-lhe nos pulsos.
- Porquê? - perguntei baixinho, acariciando a sua pele com os polegares, tentando acalmá-lo.
Não fazia qualquer sentido. Eles tinham voltado há uma semana e, do nada, a mãe dele partia? Deixando-o completamente sozinho? Mesmo sabendo do seu sofrimento e da ausência de uma forma de ele se sustentar?!
Não era normal. Não era natural.
Não era compreensível.

Olhei para baixo, para os seus dedos à volta dos meus pulsos, e fechei os olhos, sentindo o seu toque carinhoso. Mesmo gostando, não me aproximei de si, mantendo-me onde estava, perto, mas afastado o suficiente para ter espaço para respirar.
- Porque tem medo. - respondi-lhe, mais baixo. Deixei a cabeça cair para trás, observando o teto branco acima de nós. - Acho que vou ter que vender esta casa - continuei, já a pensar em todas as possibilidades e problemas que teria. A minha mente já estava a mil. - Ela era da minha avó.

Observei-o fechar os olhos e permanecer parado no mesmo sítio, apenas respirando mais tranquilamente. 
- Medo? - perguntei, confusa. Não era capaz de compreender nada do que estava a acontecer naquele momento. - Aconteceu alguma coisa? Ontem? - murmurei, sem saber se deveria perguntar-lhe isso. Talvez ele ainda estivesse mais confuso do que eu.
Sim, provavelmente estava.
Na verdade, nem era uma hipótese.
Parecia uma certeza.
Engoli em seco quando ele falou em vender a casa, olhando para o teto da mesma. Suspirei quando me informou que pertencera à sua avó. Presumo que exista muita coisa sobre Roy e a sua família que, afinal, nunca soube.
- Não podes fazer isso. - disse baixinho, confusa. - E o que te vais acontecer?

Tive que me afastar dela para conseguir pensar, estando tão perto de si só conseguia lembrar-me da última parte da carta da minha mãe. Sentei-me numa das cadeiras mais próximas, apontando para a que estava ao meu lado para que fosse a sua vez de se sentar. Ainda não tinha respondido a nenhuma das suas perguntas, mas também não tinha respostas. Teria a discussão que tinha tido com a minha mãe afetado assim tanto a sua decisão em ir embora? Tinha sido uma discussão normal para mim, não tinha sido a pior que já tivera com ela.
Encostei-me às costas da cadeira, cruzando os braços ao peito. - Não sei. - Não sabia o que me iria acontecer, a minha antiga casa estava em ruínas e já não era proprietário, só tinha aquela e mais nenhuma - Ela fugiu com medo do que a levou a fugir daqui pela primeira vez. - Expliquei-lhe. - Ela só voltou porque lhe fiz um ultimato, não lhe dei outra hipótese, ou ela vinha, ou ficava sozinha em França. - murmurei - Acho que isso não lhe interessa mais.

Roy afastou-se de mim e eu não insisti, deixando os braços cair ao lado do corpo. Observei-o a sentar-se numa das cadeiras e apontar para a outra, indicando para que eu também me sentasse.
Suspirei e assenti, atendendo ao seu pedido e continuando a olhar para ele, a analisá-lo.
- Roy... - murmurei, tristemente. - Para onde é que achas que ela poderá ter ido? - questionei, depois de ficar em silêncio por alguns segundos.
Eu não sabia o que lhe dizer. De certeza que a sua mãe, eventualmente, ia ficar preocupada, mas não conseguia acreditar que ela estivesse bem. Eu não sabia a vida deles nos últimos anos, contudo, não conseguia compreender aquela fuga agora, quando ambos estariam sozinhos no caso de se afastarem.
Suspirei. Não conseguia ficar sentada e, por isso, levantei-me e comecei a rondar pela cozinha, procurando por alguma coisa para lhe fazer, porque ele necessitava mesmo de comer alguma coisa.
- Tenho uma ideia... - acabei por dizer, virando-me para ele.

Encolhi os ombros para lhe responder. Não sabia onde é que ela podia estar, não ia arriscar voltar para a França, já que sabia que o destino estava comprometido. - Não sei. - Voltei a dizer, desta vez, alto. Observei-a a levantar-se e a andar de um lado para o outro, apesar de não entender o que é que ela estava a dizer.
Levantei uma sobrancelha, levantando-me para a parar e tentar perceber o que é que estava a dizer. - Se estás a pensar que eu posso ir morar contigo - abanei a cabeça - não vou. Não posso. - Interrompi-a de imediato, com medo que fosse essa a sua grande ideia.

Suspirei quando ouvi Roy dizer que não sabia onde é que ela poderia estar. Ela não poderia ter ido muito longe, certo? Supondo que saíra durante a noite...
Estava perdida em pensamentos e assustei-me quando Roy se colocou à minha frente, parando-me.
- Não era isso. Diretamente. - disse, engolindo em seco, e dando um pequeno passo atrás. Dei-lhe o prato com torradas para a mão. - Come. - pedi, voltando a sentar-me. - O que eu ia propor era que fosses, sim. Por uns tempos. - acabei por concordar. - Mas arrendavas isto. Durante o tempo que precisasses até conseguires assentar, com os estudos e o emprego e assim. - expliquei baixinho, sabendo que ele não ia aceitar a ideia. Contudo, eu queria ajudá-lo. Recusava-me a deixar que ele fosse obrigado a vender a casa e depois ficasse sem lugar para ficar.

Se conhecia a minha mãe, ela deveria ter saído assim que entendeu que estava num sono profundo - coisa que era rara, já que tinha passado cinco anos da minha vida à espera que me viessem matar enquanto dormia (coisa que já não era assim tão rara). Ela não podia ter ido muito longe, mas saber onde ela estava era complicado, visto que a cidade era grande e ela conhecia-a muito melhor que eu, apesar de também ter vivo dezassete anos nela.
Agarrei no prato que me dava, dando-lhe um pequeno sorriso. - Obrigado. - Agradeci. Não tinha fome, mas era bom sentir-me a ser cuidado por outra pessoa que não eu mesmo. Ouvi o que ela me dizia, abanando a cabeça ao mesmo tempo que pensava e me imaginava na mesma casa que ela. Havia três razões pelas quais eu não aceitava: um, a minha mãe tinha-me dito para ter cuidado com ela, com a família dela; dois, não conseguia pensar o que é que aconteceria comigo se vivesse com ela, isto, sem me referir à sua família, pensando apenas nela e nos anos em que passámos juntos... as coisas podiam acabar muito bem ou muito mal; três, era demasiado orgulhoso para aceitar. - Vou pensar. - Foi a única coisa que consegui dizer. Por um lado, a parte de mim que estava desesperada queria aceitar, mas a outra dizia-me que era melhor que houvesse espaço entre nós, mesmo que fosse apenas por pouco tempo. - Toma uma, não tenho fome - disse, oferecendo-lhe uma torrada.

Conseguia notar o quão pensativo Roy também se encontrava. Não deveria ser nada fácil, acordar e ver que estava completamente sozinho - principalmente agora, que perdera o irmão e o pai.
Encolhi os ombros levemente quando ele me agradeceu pelo pequeno almoço.
Revirei os olhos quando ele disse que ia pensar.
- Já sei que não vais pensar. - disse, em tom de resmungo. - Mas vou fingir que acredito em ti. - abanei a cabeça e suspirei.
Neguei quando me disse para comer uma torrada.
- Eu comi antes de vir para aqui, e aposto que não comeste nada. Portanto... - voltei a apontar para o prato. - Não me obrigues a tratar-te como se fosses o meu irmão mais novo. Ele já não tem cinco anos e eu estou fora de prática. - tentei brincar com ele.
Observei o mundo lá fora através da janela. O céu estava azul, sem nuvens, e o sol brilhava livremente. Não combinada nada com o humor dentro daquelas quatro paredes.

- Não sei o que os teus pais poderiam pensar. - Acabei por dizer, lembrando-me novamente da carta. Agora aquilo ia assombrar-me até descobrir o porquê dela ter medo da sua família. Lembrava-me da época em que éramos amigos e, posteriormente, namorámos, eles tratavam-me bem, nunca me apeguei a eles nem nada, mas nunca fui escorraçado de sua casa só porque não era tão bem vestido ou rico quanto outros (e isso já tinha acontecido antes). - Desapareço, deixo a filha deles sozinha, apareço e de repente vou viver com ela? Eu não ia gostar disso se estivesse na posição deles. - Mastiguei devagar a comida, obrigando-me a empurrá-la. Não tinha vontade de comer, mas ela tinha razão, eu tinha que comer. Só se comesse é que iria ter força para voltar à pesquisa sobre o que tinha acontecido com a minha família. - Obrigado por vires - agradeci quando ficámos em silêncio - não me lembro de te telefonar, acho que foi automático. - Só me lembrava de decidir desligar.

Suspirei.
- Pensa o que quiseres, Roy. - acabei por dizer, abanando a cabeça. - Eu moro sozinha. Eles nunca lá vão. Só o meu irmão. E mesmo assim, é muito raramente. - fiz uma careta. - Mas pensa o que tu quiseres. - voltei a repetir, olhando pela janela.
Ao ver que ele tinha começado a comer, reparei que me tinha esquecido de lhe arranjar algo para beber. Voltei a levantar-me e vi que, no frigorífico, ele tinha um pacote de sumo de laranja. Peguei no mesmo e virei um bocado para o copo, pousando-o à sua frente.
- Deixaste-me preocupada. - suspirei e voltei a sentar-me, escolhendo voltar a olhar lá para fora. - Mas de nada. - fiz uma pequena careta.
Tudo aquilo era demasiado estranho - a nossa situação, a fuga da sua mãe. Os últimos anos. Porquê que a nossa vida não podia ser um bocadinho mais normal?
Ou melhor...
A vida dele. Aquilo era a vida dele. Eu é que acabava por ficar demasiado preocupada para o deixar sozinho no meio de uma tempestade.

A proposta era tentadora, para além de ser uma forma de estar mais próximo dela (o que também era uma desvantagem), tinha uma cama boa para dormir, sem ter que vender a casa da minha avó e ainda ganhando dinheiro nela. Observei-a quando voltou a andar de um lado para o outro e agradeci baixinho assim que recebi um copo de sumo de laranja. Bebi um bocado para ser simpático, não queria desprezar o esforço que estava a fazer para cuidar de mim.
- Desculpa - pedi, por tê-la deixado preocupada, levantando o olhar até ao dela. - E eu posso ficar em tua casa, mas só até arranjar emprego, o que pode durar uma noite ou várias - disse, pensando em voz alta.

Assenti levemente quando me agradeceu por lhe ter preparado a bebida e encolhi os ombros, como quem dizer "de nada". Não precisava que ele me agradecesse por cuidar dele. Esse era o meu instinto. Ainda.
Não fui capaz de esconder a minha admiração quando ele disse que aceitava ficar em minha casa, afinal.
Fiz uma pequena careta.
- Ficares meia dúzia de dias vai contra o meu objetivo, mas tu é que sabes. - mantive-me calma, encolhendo os ombros levemente. - Eu propus para que pudesses trabalhar, juntar dinheiro e estudar. - abanei ligeiramente a cabeça. - É importante que possas estudar o que queres, para poderes trabalhar na tua futura profissão. - relembrei.

Ela tinha razão, não ia ganhar muito só de estar com ela alguns dias, mesmo que o quarto da minha mãe estivesse a ser arrendado ou alugado, mas ainda não sabia como é que tudo ia resultar e tinha medo que as coisas entre nós ficassem piores. - Vamos vendo. - Disse, levantando-me e deixando ainda alguma comida no prato, não conseguia engolir mais nada. - E se discutirmos? - Perguntei - Nós não estamos praticamente bem e eu não quero que estejas desconfortável em tua própria causa. - Continuei, acrescentando na minha memória que também a podia estar a pôr em perigo, nunca se sabia se andavam atrás de mim ou não.

Observei Roy a levantar-se, desistindo de tentar comer o resto da comida que deixara no prato.
- Roy, é inevitável que vamos ter alguma discussão. - suspirei e abanei a cabeça. - Mas resolvemos isso quando acontecer. Só temos de... tentar compreender. - engoli em seco e levantei-me também, aproximando-me da janela da cozinha para conseguir olhar lá para fora. As pessoas pareciam tão pequenas dali de cima, como formigas atarefadas.