Casa

Não sabia o que fazer. Por um lado, queria ir para o calor da minha cama, tentar dormir e esquecer as dores, por outro tinha medo de entrar em casa. Ele tinha saído disparado depois de me deixar estendido no chão, e o mais provável era não voltar tão cedo, mas nunca se sabia com aquele homem.
Voltei a acordar dos meus pensamentos, depois dela me perguntar se não era a primeira vez que isto acontecia, e deixei-me rir, mas arrependi-me de imediato, por causa da dor. Fechei a mão em punho - que também doía devido aos murros que tinha disferido antes dele me mandar contra a parede e me fazer cair no chão - e mostrei-lhe um sorriso embriagado.
-É melhor para ti se não souberes. - Parei, vendo já a minha casa ao longe. Se ele estivesse por perto, não queria que a visse. - Só te dou um conselho: assim que alguém ousar levantar a mão na tua direção, vai-te embora, e não o deixes entrar na tua vida. - murmurei, antes de me afastar e tentar andar direito.

Quanto mais avançávamos pela rua, mais esta ia escurecendo ao nosso redor. Se aquele fosse mesmo o caminho para sua casa, não vivíamos assim tão longe - o que era óptimo, visto que já estava assustada o suficiente para depois ainda ter de ir embora sozinha. Levantei ambas as sobrancelhas ao ouvir a sua gargalhada, que dirigiu toda a minha atenção em direcção ao seu rosto e, ao ouvir a sua resposta, dei por mim a pensar que, se calhar, tal como eu, ele também estava a passar por uma fase complicada. Isso ou era realmente assustador, como achara no início. Ainda assim, limitei-me a assentir.
- Tudo bem.- disse apenas. Também havia partes da minha vida que eu não pretendia partilhar com quem quer que fosse, portanto, não ia insistir.- ainda estamos muito longe de tua casa? - resolvi perguntar, aproveitando para olhar em volta e quando dei por mim, já ele se estava a afastar, não sem antes dizer algo que paralisou todo o meu corpo. Assim que alguém ousar levantar a mão na tua direção, vai-te embora, e não o deixes entrar na tua vida. Engoli em seco, sentindo a minha mente reencontrar imagens e pensamentos que eu não queria, mas era impossível evitar. Eu sabia muito bem do que ele estava a falar e, infelizmente, ir embora era a única coisa que eu sabia fazer bem nestes últimos tempos. Pisquei os olhos várias vezes assim que senti as lágrimas formarem-se nos mesmos e apressei-me a procura-lo com o olhar, vendo que já estava a afastar-se.- Carter! - dei por mim a gritar, para que me ouvisse, dando um passo involuntário na sua direcção.- se precisares de ajuda, sabes onde me encontrar.- e não sei porque é que o disse, mas naquele momento, eu senti que ele também precisava de ajuda. E ainda que eu não fosse a pessoa mais indicada, as palavras soltaram-se dos meus lábios muito antes de eu ter tempo para as travas. Passei ambas as mãos pelo rosto, sentindo o meu coração disparar assim que me apercebi que estava sozinha e olhei em volta, começando depois a ir, a passo rápido para casa.

O meu coração parecia querer rebentar no meu peito; infelizmente estava familiarizado com a sensação, o medo a invadir-me as veias e a sensação de explosão iminente. Por entre pensamentos bêbedos, só podia esperar que a minha mãe estivesse bem, que ele tivesse descarregado tudo em mim e a tivesse deixado dormir em paz. Era o que eu devia estar a fazer agora -- a dormir.
Engoli em seco quando a ouvi gritar o meu nome e obriguei-me a virar para trás, mas não me arrependi, sorrindo ligeiramente com as suas palavras. - Obrigado. - Agradeci. Voltei a virar-lhe costas, sentindo que precisava de voltar lá de manhã, quando já não sentisse que estava prestes a morrer. Apanhei o elevador até minha casa, sentindo o alívio entrar no meu corpo ao perceber que ele ainda não tinha chegado a casa e que estava tudo como tinha deixado. - Obrigado. - Repeti antes de me deitar na cama.

Ao acordar as dores também acordaram, parecia que tudo doía mais do que na noite anterior, mas consegui andar até à cozinha e sentar-me com um suspiro dolorido. A minha mãe deve ter-me ouvido porque ouvi logo os seus passos a virem na direção da cozinha, o seu semblante preocupado foi a primeira coisa que notei, mas eu não era o único que estava com partes do meu corpo negras.
-Carter... - Ela aproximou-se de braços estendidos e examinou a minha bochecha roxa e o resto do meu corpo. - Oh meu deus... - Murmurou com as lágrimas nos olhos. - Porque é que te metes, olha para isto... o que ele te fez.
-Mãe. - Fechei os olhos, também me doía a cabeça por causa da ressaca. - Podes esquecer isto e fazer-me o pequeno almoço? - A frase fez-me estremecer, parecia o meu pai a mandá-la fazer as coisas por mim, mas tive que me acalmar a mim próprio, não era como se me conseguisse mexer muito mais.
-Posso. - Disse calmamente. - Mas tu vais para o teu quarto deitar-te. - Mandou, com um sorriso meigo que me fez suspirar. - Eu ajudo-te.