Alessia's apt

Assim que cheguei a casa, tranquei tudo e fui tomar um rápido duche, tentando aquecer-me. Senti-me completamente gelada e não era só por ainda não estar seca da água da chuva.
Deixei o vestido a secar, para depois o ir deixar numa lavandaria, e fui deitar-me, cobrindo-me com mais cobertores do que o habitual.
Estava tão exausta que rapidamente adormeci, embalada pelo silêncio do exterior e pela confusão da minha cabeça.


Acordei sem saber exatamente que horas eram. Tinha chegado tarde e parecia que dormira pouco tempo, mas já eram nove da manhã quando confirmei o telemóvel.
A minha cabeça ainda estava uma confusão. Para desanuviar, acabei por decidir que ia dar uma volta, pelo que vesti umas roupas confortáveis e comi uma barrinha rapidamente. Peguei na minha garrafa de água e nas chaves de casa e saí do meu apartamento, descendo para o hall pelo elevador.

Acordei mais cedo que a minha mãe e fiz o pequeno almoço para os dois, ficando-me apenas pelos cereais. Tinha que começar a sair, só assim é que iria conseguir descobrir alguma coisa. Se é que havia alguma coisa para descobrir, por tudo o que sabia os meus pais podiam muito bem ser esquizofrénicos e fugir de uma força que não existe, arrastando-me a mim e ao meu irmão pelo processo. O fogo não seria difícil de explicar: uma fuga de gás e um fósforo, fácil.
Passei os dedos pela cana do nariz e levantei-me. Ia começar por um passeio pela rua, já era bom o suficiente para me ambientar, ainda era esquisito andar pela cidade. Era como se nunca tivesse ido embora, nada passasse de um sonho, mas eu sabia que tinha acontecido alguma coisa - havia dois membros familiares em falta.
Olhei para o autocarro que estava a parar no sítio onde eu estava - uma paragem de autocarro, como é óbvio - e procurei para onde ia, Norte. Talvez fosse cedo para a ir ver? Não? Não iria parecer um perseguidor? Entrei sem pensar muito, se fosse demasiado iria aperceber-me, aqueles olhos dizem mais do que querem.
A viagem de autocarro foi tranquila e apercebi-me que, afinal, ainda conhecia bastante bem a cidade. Reconheci logo o sítio que ela me dizia onde vivera, e saí, procurando pelo edifício.
Mordi o lábio inferior, olhando para cima, procurando pelo sétimo andar. A nossa relação como amigos não estava propriamente bem, talvez ela precisasse de mais espaço, apesar de ter parecido tão pronta a dar-me a sua morada para que eu lá fosse. Dei um passo para trás, pronto para recuar e limitar-me a passear pela zona, quando vi uma figura no hall de entrada, a sair do elevador. Agora não havia escapatória, ela ia ver-me mesmo que eu virasse costas.
Respirei fundo, clareando a garganta para que quando falasse se ouvisse alguma coisa decente e subi as escadas, esperando que a porta se abrisse.
- O-olá, eu estava... a passear pela zona. - Menti não muito bem, enfiando as mãos nos bolsos das calças.

Saí do elevador e cumprimentei uma vizinha com um aceno de cabeça, caminhando pelo hall até à porta do prédio, pronta para sair. Contudo, assim que abri a porta, vi uma figura conhecida mesmo à minha frente.
Roy.
- Olá. - cumprimentei de volta, escondendo o sorriso quando ele gaguejou. Não sorrir. Não sorrir. Não sorri.
Assenti quando disse que estava a passear pela zona.
- E... queres subir? - perguntei, apontando para trás por cima do ombros. Podia ir caminhar mais tarde. Talvez ele precisasse de me contar alguma coisa que não dissera na noite anterior e fosse o seu momento de coragem.
Ou talvez só estivesse mesmo a passar por ali e lembrara-se que eu morava ali, mas tinha tido muita sorte em apanhar-me a sair no preciso momento em que ele passava naquela porta.

Tinha demasiados tiques quando estava nervoso, as pessoas costumavam descobrir logo; pressionar lábios, enfiar as mãos nos bolsos, morder o lábio, mexer os pés de forma esquisita. De momento, estava a fazer quase tudo ao mesmo tempo, sorrindo assim que me perguntou se queria entrar.
- Estou farto de ficar fechado em casa. - Admiti, rejeitando o seu convite. - Se não fores fazer nada, eu posso acompanhar-te, mas se tiveres alguma coisa para fazer - encolhi os ombros - estou só a ver a cidade... não mudou muito. - Olhei em volta, observando as poucas diferenças que conhecia daquela zona. - Então, estás ocupada?

Observei-o, tentando absorver todas as pequenas informações que a sua pose corporal me transmitia. Ele parecia tão nervoso que fiquei admirada, na verdade. Talvez fosse do ambiente estranho entre nós, como resultado do dia anterior, que tinha sido cheio de revelações e emoções.
- Eu só ia espairecer um bocado. - admiti com um leve encolher de ombros. - Podes acompanhar-me à vontade. - acrescentei, saindo para o exterior do prédio. - Pouca coisa mudou. - concordei com ele, descendo as escadas até ao passeio e esperando que ele fizesse o mesmo.

Deixei o meu corpo relaxar assim que percebi que não estava a abusar. Por um lado, estar ali só indicava que não ia a mais lado nenhum. Comecei a descer as escadas a seu lado, assentindo quando concordou comigo.
-E... - olhei para o prédio uma vez mais, decorando-o. - Vives aqui sozinha ou mudaste-te com os teus pais? - Perguntei. Tinha acontecido tanta coisa comigo nos últimos cinco anos que já tinha praticamente enlouquecido e perdido o fio à meada do que lhe poderia contar sobre mim, mas dela eu ainda não sabia nada. Muita coisa também teria acontecido na vida dela. Talvez... senti o sangue evaporar-se do meu corpo quando me lembrei que ela poderia estar a viver ali com o namorado. - Ou com um namorado. - Acrescentei rapidamente, voltando a enfiar as mãos nos bolsos, cruzando os dedos para que não fosse a terceira opção.