Vivenda dos Quinn

Consegui entrar pelas traseiras e devido à roupa - ou melhor dizendo à falta de roupa - com que me encontrava, apressei-me a subir as escadas e enfiar-me no meu quarto onde tomei um duche rápido e me apressei a pegar no primeiro vestido que me apareceu no roupeiro. A Adele ia certamente olhar-me de forma reprovadora mas não queria saber, muita sorte tinha ela de eu não aparecer na sala de jantar com nada mais do que a camisola que o Noah me tinha emprestado.
Conseguia ouvir o barulho de loiça a ser transportada de um lado para o outro juntamente com o barulho de várias conversas e mal entrei naquela divisão o meu olhar parou nos dois grupinhos formados: o meu pai encontrava-se a falar com um dos seus colegas do escritório e junto deles estava o Dave, o seu filho que já tinha visto várias vezes em outras ocasiões especialmente as relacionadas com o trabalho do meu pai enquanto a Adele e a outra mulher falavam animadamente na outra ponta.
- Finalmente! - guinchou a Adele assim que o seu olhar parou em mim e rapidamente a sua expressão mudou para um ar enojado ao ver a forma tão pouco chamatória como me tinha vestido e também pela falta de maquilhagem - Bem, já estamos todos, podemos começar a jantar. - ela parecia demasiado entusiasmada mas uma vez que nunca tinha sido normal, limitei-me a forçar um sorriso e seguir atrás do resto das pessoas até à mesa.

A viagem de carro foi um tanto atribulada pelos meus pensamentos que teimavam em desconcertar-me da estrada. Ouvi umas três buzinadelas por excesso de velocidade ou por ter passado alguns sinais, sinceramente não sei. O que importa é eu chegar a casa dos pais dela e retirar isto a limpo. Continuava sem perceber o que se passou hoje de manhã.
Quando cheguei junto da sua casa estacionei, ainda tentei demover-me da ideia de entrar por casa dela à sua procura, mas tinha demasiada vontade. A casa dos seus pais era um tanto assustadora, ou talvez era eu que estava assustado. As vezes nem eu próprio sei decifrar o que sinto. Subi umas pequenas escadas e bati à porta, esperei apenas alguns segundos até a empregada me cortejar e deixar-me entrar, como tantas vezes fiz. Já nem precisava que me anunciassem. À medida que ia chegando à sala de jantar as vozes começavam a tornar-se percetíveis e algo, naquele momento, fez-me paralisar à porta da sua sala.  Sentia as diferentes caras pousadas em mim e não me apercebi do que se passou porque segundos depois eu tinha um prato para mim e estavam-me a puxar a cadeira.
O meu olhar estava preso na minha loira, estava angustiado e pela primeira vez senti raiva pura e dura. – Boa noite. – Murmurei. – Desculpem interromper…mas é que deixei cá uns livros de… da universidade. -Não sei se alguém naquela mesa acreditou naquela que foi a desculpa mais esfarrapada de todos os tempos.Poderia adivinhar que este iria-se tornar no pior jantar da minha vida.

Segui o resto do pequeno grupo até à sala de jantar e sentei-me no local que me foi indicado. Não tinha qualquer fome e sentia-me demasiado nervosa com a excitação bastante evidente da Adele já que tal entusiasmo nunca avizinhava boas notícias. Sentia o olhar do Dave posto em mim e isso só me deixava ainda mais nervosa com toda aquela situação mas já estava tão habituada a viver naquela casa de bonecas que cumpri o meu papel.
Isto até o meu olhar parar na entrada da sala de jantar quando uma empregada apareceu com mais um prato e talheres. O Noah estava ali. O quê? O Noah estava ali.
Não demorou mais do que alguns segundos para que as minhas bochechas ficassem quentes e vermelhas devido à sua presença naquele espaço mas também às memórias que toldaram o meu cérebro sobre o que se tinha passado entre nós momentos atrás.
- Oh claro. - a Adele não parecia nada convencida ou agradada mas o sorriso que o meu pai lançava ao Noah impediu-a de dizer fosse o que fosse - Fique para jantar assim sabe em primeira mão as novidades.
Juntei as sobrancelhas e desviei o olhar para ela, com medo do que seriam aquelas novidades. Encontrava-me longe do Noah para lhe conseguir dizer alguma coisa e estava sempre a ser bombardeada de perguntas por parte da mãe do Dave por isso não conseguia propriamente fugir. Apesar daquele jantar horrível foi antes da sobremesa que se tornou mesmo o jantar do Inferno.
- Bem, está na altura de anunciar. - a Adele estava em pé com o copo de vinho na mão pronta para um brinde - É com grande prazer e felicidade que anunciamos a junção da família Quinn e da família Johnson. - apesar de as palavras ainda não terem sido totalmente ditas, engasguei-me com a minha água ao ouvi-la - Freya e Dave, o vosso casamento será extraordinário e sei que serão um dos casais mais bem sucedidos de sempre.

Até o barulho dos talheres me irritava naquele momento. Talvez não fosse irritação que estaria a sentir, algo entre surpresa e desilusão. Pura, crua e nua.
Fui me apercebendo que Frey era um alvo aquela noite por parte dos desconhecidos que me faziam frente na mesa, o rapaz expirava arrogância e fez com que um alerta se instalasse no meu corpo. Novamente, tínhamos sido alvos de arranjos matrimoniais. Eu..eu tinha simplesmente que acabar com isso. Olhei em volta daquela sala pomposa onde o luxo era meramente um detalhe, as cores vividas preenchiam cada recanto da sala e dava-me um certo gozo vislumbrar cada quadro. Sempre que os via denotava algo diferente, havia sempre um detalhe que não tinha visto da outra vez…isto tudo, claro, deixava as minhas visitas sempre mais divertidas. Do nada, os meus pensamentos foram interrompidos pela voz da mãe da loira.  É com grande prazer e felicidade que anunciamos a junção da família Quinn e da família Johnson. – Não. Não. Eu tinha que fazer algo, rápido. Agora. Pensa Noah. Pensa.  Antes de sequer fazer alguma coisa mirei a minha musa, semicerrei os olhos e senti o meu nariz a mexer discretamente. Como fazia sempre que estava para cometer uma loucura, talvez fosse uma força superior a tentar fazer-me desistir. – Não. – Pigarreei um pouco depois e esperei para que a atenção de todos se voltasse para mim. – Lamento imenso, Martha...e restantes – Tinha interrompido o brinde e as caras de quem me mirava não pareciam, de todo, felizes. -  Eu vim cá esta noite anunciar que eu e a Freya…bem, nós…estamos noivos! – O meu olhar caiu sobre ela…e por muito que isto tivesse sido espontâneo, não tirava toda a credibilidade do momento. Porque ela sabia que eu a amava. Penso que o mundo em redor rebentou, mas eu já estava na bolha que criei com ela a partir momento em que a pedi em casamento…de uma forma que já não dava para dizer que não.
Mas isso só durou uns segundos porque depois a nossa bolha também rebentou e choveram inseguranças em cima de mim. Talvez eu tivesse a ver esta história toda errada. E se ela quisesse não quisesse casar comigo? E pior, e se ela quisesse casar com ele? Comecei a ficar nervoso e em resposta engoli o champanhe do rapaz que estava a minha frente, piorando , claramente a minha situação.

Um casamento arranjado. Estávamos em pleno século XXI e estava a ser alvo de um casamento arranjado. Que maravilha.
Queria abrir a boca e acabar com aquela palhaçada mas o que é que eu podia fazer? Absolutamente nada e o mais certo era acabar deserdada se recusasse aquilo. Mas então o Noah interrompeu o jantar e arregalei os olhos uma vez mais naquela noite - Eu.. - comecei tão baixo que não sei se me ouviram e o meu olhar parou nele. Eu gostava dele, conhecia-o desde criança e se pensava em casar com ele? Não, ainda não pelo menos mas era muito melhor que casar com aquele pomposo horrível com quem corria o risco de nunca vir a ser feliz ou amar - Sim. - falei mais alto, forçando um sorriso - O Noah pediu-me em casamento e eu aceitei.