[Geral]

Ok, The Kent Apartments, 5B. É aqui. Murmurei para comigo, enquanto remexia no meu telemóvel onde assentara todas as informações acerca da minha nova morada.
Com um esgar, larguei as duas malas que carregava a meu lado e fiquei momentaneamente a olhar para elas, estranhando o facto de serem só duas. Embora já fosse assim há três anos, ainda achava irreal o facto de ser literalmente tudo aquilo que me pertencia. Foda-se.
Rapidamente desviei o olhar, tentando mudar o rumo aos meus pensamentos. De nada me valia relembrar o passado.
Sem muito mais demoras, guardei o meu telemóvel nos jeans e ajeitei rapidamente a minha sweatshirt, para parecer minimamente bem. Passei a mão pelo cabelo, tentando penteá-lo um pouco, apesar de saber que era impossível domá-lo.
De seguida, ponderei as minhas hipóteses no que dizia respeito a conseguir o quarto. A verdade é que precisava mesmo de o conseguir.
Transferir-me para esta universidade tinha sido algo complicado e um pouco em cima do joelho, portanto nem queria acreditar quando Luke me falara de um quarto disponível nesta zona. Além de ficar extremamente perto da universidade, era barato - o que simplesmente não acontecia na cidade de Sydney. Tinha tudo acontecido no momento perfeito e eu não queria, não podia estragar isso.
Era, portanto, necessário que eu impressionasse quem quer que morasse aqui, fosse um velho desdentado e solitário, ou uma maluca com mil gatos.
Nada interessava a não ser conseguir aqui ficar.
Respirando fundo, mentalizando-me de que esta era a minha única oportunidade, toquei à campainha. Sentia o meu coração a galopar veloz e, por momentos, desejei ter uma ganza comigo.
Merda, controla-te. Disse para mim mesmo, cerrando o maxilar e fixando o meu olhar na porta.

Quando a campainha ressoou não pude deixar de sentir um certo nervosismo. Desde quarta-feira passada, assim que recebi o telefonema que me levaria a marcar esta reunião, que me sentia um tanto curiosa. Tinha posto o meu segundo quarto a alugar, precisava de não me sentir tão sozinha, de não sentir medo de morar naquele apartamento tão pouco meu. Nada do que lá havia tinha sido eu a escolher, não tinha sequer um dedo de mim e eu não me atrevia a modifica-lo porque sei o gosto que foi à minha avó escolher cada pormenor.
A sua voz tinha-me ressoado durante os dois dias que passaram desde que o ouvi pela primeira vez, imensas criações da minha mente me fizeram imaginar este momento. Claro que nada disso iria acontecer. Será que era um ladrão? Pedófilo? Agora não era momento para pensar nisso.
Não saí logo do meu quarto, não queria parecer desesperada e demonstrar o quão ansiosa estava. O som dos meus saltos retumbou no chão acompanhando-me assim até à porta. A maçaneta estava fria quando a rodei, não pude deixar de espreitar antes da porta se abrir completamente tal era a curiosidade. – Olá, deves ser o Josh. – Presumi e limitei-me a esboçar um pequeno sorriso. Era tão diferente do que tinha imaginado, tão mais bonito e menos assustador. Apetecia-me gozar com a imagem mental que tinha criado dele.– Entra. – A minha voz saiu num rasgo inseguro mas assim que abri a porta fiquei um tanto mais segura. Eu era capaz de me defender. Acho. – Já vi que vieste com as malas. – Comentei ao notar as suas duas malas junto a ele. – Deixa-as aí, vou mostrar-te a casa…deixa-me confessar que nunca me tinha passado pela cabeça alugar isto a um rapaz por isso a casa não é, de todo, masculina. Mas não te deves importar. – Murmurei enquanto caminhava pelo apartamento.

Ouvi um leve barulho do outro lado da porta alguns momentos depois de tocar à campainha e, pelo som assumi rapidamente que fossem saltos altos.
Tentei parecer o mais descontraído possível e, mal a porta se abriu, forcei um sorriso que rapidamente deu lugar a outro mais amistoso.
- Sou eu, sim. Olá. - Respondi, acenando ligeiramente a cabeça, ainda a sorrir, apercebendo-me de que ela era muito diferente de tudo o que imaginara. A miúda era mesmo gira.
Foda-se, devia estar mesmo drogado quando falara com ela para nem dar conta que a voz que ouvira era de rapariga. E agora que me dava conta, eu nem sequer sabia o nome dela...
Enquanto me debatia para me lembrar de um possível nome, ela moveu-se e abriu-me a porta para me deixar entrar. Aparentemente, não reparara em nada.
- Sim, eu tinha de as trazer. - Esclareci rapidamente, sem adiantar muito mais. Eu ainda nem queria crer que me surgira uma oportunidade como esta, especialmente com a companheira de casa que poderia eventualmente ter. Ah, quando o Luke ouvir isto...! -Não há problema nenhum. Desde que haja uma cama é suficiente para mim. E talvez uma casa-de-banho e uma cozinha seria simpático. - Disse em tom de brincadeira, sem perder o sorriso e seguindo-a pela casa adentro.

As suas malas pareciam fazia-me entrar num estado de alerta, achei estranho alguém ter trazido as suas malas atrás para uma entrevista de casa. Mas como ele não desenvolveu nada em torno disso limitei-me a debater apenas em pensamento.
Abanei a cabeça enquanto soltava uma leve gargalhada, permitindo-me relaxar um pouco com a sua piada. A casa estava extremamente bem decorada pela minha avó, ao fundo da sala habitava um esqueleto onde eu estudava quando ia ter algum exame de anatomia. Haviam livros de medicina espalhados pela mesa central da sala e ao lado o meu computador aberto. Fora os lápis, os marcadores, as folhas que estavam espalhados à volta daquela mesa o meu apartamento estava imaculado. – Aqui é a sala, normalmente eu estudo aqui por isso é que está desarrumado. – Justifiquei-me pois não queria que pensasse que eu era desarrumada ou que ele poderia fazer o mesmo. – Às Terças e Sextas vem cá uma empregada. – Matilde era uma avó para mim, cuidou de mim desde que era pequena. Levou-me às aulas de piano, ballet e a tudo mais que o meu avô me inscrevia para ocupar as minhas horas livres, deixando-me pouco tempo para brincar e ser uma criança. Subimos um lance de escadas pequeno até chegarmos à casa de banho. Conseguíamos observar toda a marina dos barcos através do vidro que substituía uma das paredes. Acabei apenas por lhe mostrar o seu, talvez, futuro quarto; deixando o meu por ser visto. – Pronto o valor continua a ser o que acordamos ao telefone. Não tenho muitas exigências só que não faças muito barulho na época de exames.  – Esbocei-lhe um pequeno sorriso. O valor que eu pedi para alugar aquele quarto era mil dólares australianos mais barato do que alguém deste prédio pediria. Sinceramente eu só queria companhia, sentir a presença de alguém em casa. Não ter medo de ficar no sofá a ver um filme ou até mesmo não me assustar ao mínimo barulho. Considero ser uma pessoa bastante racional, mas no que toca ao medo de ficar sozinha consigo ser bastante fraca.
Estava encostada à ombreira da sua porta e os meus olhos recaiam sobre ele, querendo analisar a sua expressão. Ele era bonito, mas era a expressão do seu olhar que me cativava. Havia algo naquele olhar que me despertava um sentimento de compaixão para com ele. Eu tive imensos telefonemas durante a semana, mas fiquei à espera dele, por motivos que nem eu consigo explicar. Poderia estar a cometer um erro grande ao colocar um desconhecido dentro da minha casa, ao lado da minha vida. Mas por vezes eu seguia com o meu instinto, e nunca me dei muito mal com isso.

A tour pela sua casa começou primeiramente pela sala. Esta era uma divisão bastante espaçosa, com sofás longos e de aspeto confortável, que pareciam desafiar o meu auto-controlo.
Foi só nesse instante, olhando para a sala e para aqueles sofás, que me apercebi o quão cansado verdadeiramente estava. Os objetos de estudo que o cobriam só serviram para aumentar a sensação de que me faltava uma boa noite de sono e imediatamente, tentei travar uma súbita necessidade de bocejar. Já há uns bons tempos que não via uma divisão tão acolhedora como esta e, pensando bem, esta parecia ser uma daquelas casas que transparecia conforto propositadamente.
Provavelmente é rica, o que não é de esperar em Sydney.
Pouco depois, o esqueleto ao canto da sala acabou por obter a minha total atenção, à medida que eu começava a juntar dois mais dois na minha mente. Se ela precisava daquilo para estudar e, tendo a conta a proximidade da universidade para que me transferira, isso deveria significar que ela também lá estudava.
- Então, estudas na Universidade aqui ao pé? - Perguntei, mirando rapidamente os manuais e livros de medicina espalhados pela mesa e pelo chão. - Medicina, hum? - Inquiri novamente, embora de forma retórica. Folheei apressadamente um dos livros mais perto de mim e fiz uma careta. - Pois, tudo demasiado complicado para mim. Acho que me vou ficar pela Fotografia. - Ri-me, pousando o livro no seu devido lugar e olhando para a rapariga que tinha a meu lado que, para além de bonita, era inteligente.
De seguida, prosseguimos com a visita à casa e a paragem seguinte foi a casa-de-banho, onde não perdemos muito tempo. Na realidade, só dei conta que tinha uma vista do caralho para a marina a alguns quilómetros dali. Aliás, toda a casa parecia estar rodeada por uma paisagem estonteante e, para dizer a verdade, nem queria acreditar que ela pedia tão pouco por tudo isto.
Depois da casa-de-banho, foi altura de espreitar o meu - talvez - futuro quarto, que ficava um bocadinho mais recôndito em relação ao resto das divisões que ela me mostrara antes.
Quando ela me abriu a porta para o quarto, eu sorri imediatamente ao ver o quarto perante mim.
- Que caralho! - Deixei escapar, entrando e colocando a mão sobre a cama de tamanho king size que tinha à minha frente. - Esta casa é perfeita. - Murmurei em resposta, olhando em redor, sentindo de novo que não podia deixar escapar esta oportunidade. Tudo me parecia demasiado bom para ser real e eu estava a conter-me para não lhe perguntar qual era a condição para tudo isto. Definitivamente tinha de haver uma desvantagem em morar aqui, porque nada era assim tão bom quanto aparentava.
Eu virei-me para ela, ainda a tentar encontrar alguma falha no quarto e falhando redondamente, dando conta que ela me olhava, talvez a tentar perceber a minha reação.
- Isto é tudo demasiado bom para ser real. - Comentei, com um sorriso aberto.

A expressão dele de admiração fez-me questionar as suas raízes, não num mau sentido, mas num sentido preocupado. À medida que íamos avançando pela casa denotei o seu estado de exaustão. Eu estava demasiado preocupada com a minha postura direita e em não fazer muito barulho com os meus saltos e isso fez-me sentir realmente fútil naquele momento porque tinha à minha frente alguém que apenas queria dormir.
O meu intuito não era ser a Madre Teresa de Calcutá, aliás era algo bastante egoísta até. Porque quase que paguei para alguém ficar lá em casa comigo, com uma renda tão baixa é natural que a procura excedesse a oferta. Quando mencionou a faculdade confesso que fiquei um tanto aliviada, pelo menos não era um bandido. Eu não o queria julgar, acho que era o meu medo a falar mais alto. - Sim, eu estudo medicina. – Deixei escapar uma leve gargalhada ao seu comentário gracejador. – Não é difícil, exige apenas tempo e muito estudo. – Murmurei enquanto aproveitava para colocar arrumar alguns papéis. Não sabia muito bem o que dizer, a minha timidez transpareceu o tempo todo e podia jurar que as minhas faces começavam a ficar ligeiramente mais avermelhadas do que o normal. Talvez ele pense que seja maquilhagem. Ou então Não. Os rapazes não pensam nisso.
Quando chegamos ao seu quarto não pude ficar chocada com o asneirão que acabara de ouvir e isso manifestou-se na expressão do meu rosto. Forcei-me a fechar a boca tal foi o choque que levei e aclarei a minha garganta. – Bem, acho que podes pousar as tuas coisas. – Eu era incapaz de o mandar embora. Sou realmente desvigorosa, mas ele parecia tão fatigado que só alguém realmente desumano é que o mandaria embora.

Nesse instante, reparei na sua figura. Encostada à ombreira da porta, ligeiramente tímida e desconcertada, ela parecia olhar para mim sem saber o que dizer. Eu, por outro lado, sem saber muito bem porque é que ela me olhava assim, pus as mãos nos bolsos da minha sweatshirt, dei uma volta rápida pelo quarto, a enxergar tudo. De seguida, sentei-me na enorme cama ao centro do quarto, virado para a rapariga e lancei-lhe outro sorriso.
– Bem, acho que podes pousar as tuas coisas. - Disse ela e a minha reação foi absolutamente espontânea: perdi o sorriso, espantado, e endireitei-me na cama, para depois voltar a deixar um sorriso rasgar-se-me no rosto.
- O quê? Já é oficial? - Inquiri, levantando-me e aproximando-me dela.

O seu sorriso transmudou o seu semblante espantando. Sentia-me satisfeita com a escolha que tinha feito e se continuasse com as entrevistas daqui a nada tinha um hotel cá em casa e esse não era o meu objetivo, de todo. – Sim, não me parece que seja preciso mais nada. – Murmurei enquanto prendia o meu olhar nas suas pernas que teimavam em avançar até local onde eu me situava. Em plano de fuga dirigi-me para os grandes armários espelhados e abri uma das portas, espreitando para o vazio dos mesmos. – Há imenso espaço para as tuas coisas. As toalhas estão na casa de banho e as mudas de cama…acho que se procurares pelo quarto as encontras. – Comuniquei num tom mais tremido do que eu teria desejado. – Bem eu…vou voltar para o meu estudo. A password do wi-fi é lagarto e se precisares de alguma coisa diz. Há comida e assim... – Não sabia o que mais dizer. Tinha tanta coisa para lhe perguntar, gostava de saber mais sobre ele, sobre a pessoa que iria partilhar a sua rotina comigo. A curiosidade consumia-me e num dia próximo ele iria satisfazer pelo menos parte dela, assim eu esperava.
O cheiro do meu perfume estava por toda a casa menos neste quarto, onde estive uma ou duas vezes, com detalhes que prefiro guardar para mim. O meu cão estava há demasiado tempo trancado, provocando uma sensação de angustia. Isso fez-me recordar que nunca mencionei a presença do meu amigo para com o novo habitante da casa. - Ah, é verdade.. -Voltei-me a dirigir a Josh apos já ter virado as costas. – Se ouvires o latir ou patinhas pela casa é o meu cão. Ele é afável e não te deve chatear. – Penso eu. Não queria assustar já o meu inquilino, mas a verdade é que o meu cão era demasiado mimado e fazia o que queria.

As suas palavras soaram sinceras quando falou, no entanto a sua tentativa de se desviar de mim foi óbvia. O seu nervosismo notava-se agora bastante bem. Se calhar não gostava que lhe tocassem...?
Sem pensar muito nisso para tentar evitar que a situação ficasse ainda mais constrangedora, segui os seus movimentos para os armários espelhados e pude verificar que estes eram enormes. Esvaziar os meus dois sacos ali para dentro ia ser engraçado, uma vez que nem metade conseguiria encher.
Eu assenti, entusiasmado, perante uma voz cada vez mais tremida.
- Okay. - Respondi monossilabicamente, percebendo que ela estava a ter alguma dificuldade em pronunciar-se. Será que era eu que, com a minha figura encorpada e com os meus 1,85m a estava a incomodar? Ou talvez, não fosse propriamente incomodar, mas mais a criar alguma espécie de tensão sexual entre os dois? Era comum algumas raparigas ficarem nervosas quando se sentiam atraídas por mim... Talvez fosse esse o caso. Não a censurava.
Nós ficámos a olhar um para o outro durante algum tempo sem dizer nada, com ela perdida nos seus pensamentos. Para tentar quebrar a sensação de constrangimento que, de repente, se apoderara daquele quarto, comecei a mexer vagamente nos cabides do armário até me dar conta que ela se estava a afastar.
De repente, ouvi a sua voz a interromper o silêncio.
- Uh, a sério? Como é que se chama? - Perguntei, sem esperar por aquilo. Ainda não vira sinais de cão algum e para ser sincero, eu adorava animais. Cães, especialmente. - Por acaso, julguei-te mais com cara de gostar de gatos. - Afirmei, completamente à toa, apenas para tentar criar conversa. Ela parecia simpática e, embora eu estivesse cansado, não me apetecia ficar sozinho de novo.

O ar que nos circundava parecia pesado, tal era o meu embaraço. Nunca tinha partilhado casa com ninguém que não era da minha família, nunca tinha deixado um estranho invadir assim a minha vida. Deveria ser estranho para ele também, mas isso só me tinha ocorrido agora. Talvez eu pudesse fazer conversa com ele, deixar as coisas entre nós mais amenas e simpáticas. – Chama-se Pepper. Vou buscá-lo. – Anunciei com um escalão de excitação alto, estava feliz por ele gostar de animais e isso deixava-me descansada. À medida que me ia aproximando da porta do meu quarto começava a ouvir as típicas arranhadelas que me deram cabo das portas todas de casa, o seu latir parecia combinar com o meu nível de entusiamo. Mal abri a porta Pepper latiu para mim e correu em direção ao quarto onde o Josh iria ficar. Quando cheguei ela tinha-se deitado de barriga para baixo à espera que ele lhe desse algum tipo de festas ou biscoito.  – Eu gosto de todo o tipo de animais, mas um cão faz-me imensa companhia. – No dia em que comprei o meu cão, não tinha intenções nenhumas de o fazer. Apenas senti uma enorme conexão com ele através do vidro e soube que não iria conseguir ir embora sem o levar. Ele é o meu verdadeiro companheiro e embora seja muito preguiçoso está lá quando eu preciso de algum mimo.
A minha barriga começava a dar sinais de que precisava de ingerir rapidamente algum tipo de hidratos de carbono. Ser Vegan é um alivio moral muito grande porém a dieta low carb que faço, faz-me ter que recorrer mais vezes aos hidratos durante o dia, em porções reduzidas. De alimentação e saúde eu percebia, já de meter conversa nem tanto. – Tens fome? Desejas comer? – Perguntei após me ter apercebido de que ainda não tinha oferecido nada para ele se nutrir. – Posso fazer o jantar para nós. Mas aviso-te já que eu não como proteína nem derivados de animais…nem tenho cá em casa nada disso. – Expliquei-lhe com um olhar atento recaído na figura masculina que se encontrava diante de mim.

Depois de me informar acerca do nome do cão, observei-a a abandonar o quarto e, em seguida, uma coisa peluda e castanha entrou no mesmo a correr. Assim que vi o que supus ser Pepper, tal fora a velocidade a que viera a correr, movi-me na sua direção a sorrir. Rapidamente, estendi uma mão para que ele a cheirasse e não demorou muito até que o começasse a fazer.
- Lindo menino. - Murmurei, afagando o seu pelo encaracolado. O cão deitou a língua para fora e a abanar a cauda de entusiasmo, acabou por se deitar de barriga para cima, altura em que a rapariga voltou a entrar dentro do quarto.
Ela olhou para nós, provavelmente a achar piada ao facto de nos estarmos a dar tão bem, e começou a falar de jantar. Eu levantei-me devagar e sorri. - Para dizer a verdade, até tenho alguma fome e não me importo de te ajudar a cozinhar. - Encolhi os ombros. - E eu sou vegetariano, portanto não vejo qualquer problema. - Esclareci, ainda mais entusiasmado com a minha estadia do que antes. Aparentemente, a minha alimentação também não seria problema aqui. - Vou só buscar as minhas malas para aqui e vou logo juntar-me a ti.

Sempre fui um tanto curiosa. Faz parte da minha personalidade e por isso não a posso mudar, apenas tentar controlar. Mas acho que não quero controlar, gosto que as pessoas confiem em mim, gosto de ajudar e de lutar com\por elas. Está intrínseco na minha essência. Ainda só conhecia este rapaz há algumas horas mas queria saber mais sobre ele, a timidez era a única coisa que me travava.
Fiquei um pouco feliz de ele ser vegetariano, acho que me ia fazer confusão se ele tivesse que cozinhar carne ou peixe à minha frente. Algo que não me lembrei quando escrevi o anúncio de aluguer. A minha família se soubesse deste pequeno negócio iria entrar em negação e provavelmente não iria gostar de eu ter um rapaz desconhecido a morar comigo, mas logo se engendrava algo.- Sim, claro. Se precisares de saber onde se encontra algo, diz-me. – Esbocei-lhe um sorriso e caminhei até à cozinha, sem a presença do meu cão que estava demasiado entretido com a nova presença. Antes de cozinhar qualquer coisa, além de lavar as mãos, eu retirava sempre os ingredientes e ia preparando-os um a um. Acho que tinha desenvolvido um comportamento obsessivo compulsivo desde que tinha ido morar sozinha, deve ter sido por excesso de tempo. Coloquei os preparos em tijelas separadas e no fim limpei toda a bancada antes de começar realmente a cozinhar.

As luzes estavam numa intensidade baixa, dando mais aconchego à casa. A música que saia das colunas pertencia ao meu álbum de Jazz favorito. Sabia praticamente toda a partitura de cor, todas as notas do saxofone  e do resto dos instrumentos, acho que tinha perdido conta às vezes que tinha ouvido álbum. Estava completamente absorvida pela melodia da música, e enquanto bebericava um bom vinho branco, aproveitei para dançar um pouco. Apenas com um ligeiro abanar da anca e um gestos com os dedos, que sinceramente, nem eu os compreendia.

Depois de ela sair, abandonei o quarto rapidamente e, com um sorriso na cara, fui até ao corredor onde deixara as minhas malas. O cansaço que sentia estava a ser totalmente reprimido pelo meu próprio entusiasmo e, desta vez, não precisara de recorrer a qualquer tipo de substâncias para tal.
Pela primeira vez, as coisas pareciam estar a correr bem para o meu lado.
Assim que cheguei às minha malas, dei conta que Pepper ainda me seguia, a abanar o rabo. Dei-lhe mais algumas festas e subitamente, lembrei-me de mandar uma mensagem a Luke, que me ajudara a encontrar este quarto. Portanto, ainda a sorrir, retirei o telemóvel do meu bolso das calças e mandei um sms rápido a Luke.
De seguida, depois de arrumar o telemóvel, pus uma mala às costas e agarrei a outra para entrar dentro de casa.
Dei conta que ela diminuíra a intensidade das luzes e uma melodia suave estava agora a tocar. Sem perder mais tempo, fui em direção ao meu novo quarto e pousei tudo sobre a cama, encolhendo os ombros. Agora que aqui estava, não havia pressa nenhuma. Eu arrumaria as coisas depois.
Após retirar apenas algumas coisas essenciais da minha mala (como o meu grinder e a minha droga) e escondê-la no armário, saí do quarto para encontrar de novo um Pepper à minha espera, de língua de fora. Eu brinquei mais um pouco com ele e quando me lembrei que prometera ajudar a minha companheira de casa a cozinhar, segui o som da música que ainda tocava. Não era propriamente o meu estilo, mas também não me podia queixar: ao menos não eram berros. Seguindo, então a melodia, fui parar à cozinha onde a encontrei em frente ao fogão, completamente distraída.
Ela tinha reunido um boa quantidade de ingredientes sobre o balcão e, de olhos fechados, dançava ao som do jazz que se ouvia por toda a casa. Numa das suas mãos repousava um copo, com o que supus ser vinho e a outra parecia acariciar o ar ao som da música, a acompanhar os movimentos do seu corpo. Por momentos, encostei-me à ombreira da porta apenas a observá-la de sobrolho erguido, quando algo espetacular me passou pela cabeça. Em silêncio de forma a não interrompê-la, fui até ao quarto onde ainda estava Pepper a cheirar as minhas coisas. De uma das minhas malas retirei a minha máquina fotográfica o mais rápido que consegui e depois voltei a prosseguir em direção à cozinha, esperando que ela ainda estivesse a dançar.
Assim que lá cheguei, verifiquei que ela ainda continuava a mover-se como antes e acabei por lhe tirar uma fotografia sem que ela desse conta. Com um sorriso no rosto, coloquei a minha Nikon ao pescoço e comecei a bater palmas lentamente, quando a música acabou.
- Uau, danças bem. - Disse, começando-me a aproximar dela. - Ainda tens vinho para eu te poder acompanhar? - Brinquei, olhando para ela. - Só não prometo dançar tão bem como tu.

Depois de ter feito a minha presença clara, vi os seus movimentos cessarem abruptamente, embora continuasse de costas para mim, como se estivesse com demasiada vergonha para me encarar.
Pensando uma segunda vez no que acabara de fazer, talvez eu tivesse sido um pouco inusitado, uma vez que já dera conta que ela era algo tímida.
- Não te preocupes que não conto a ninguém. - Disse baixo, piscando o olho em seguida, em tom de brincadeira. Após dizer isso, apercebi-me que ela recuava à medida que me aproximava de si e isso fez-me parar também, no momento exato em que ela embateu contra o balcão atrás de si. Embora já tivesse dado conta que ela era tímida, a minha presença parecia intimidá-la bastante. - Quero ambos se não houver problema, claro. - Acabei por responder, encolhendo os ombros e aceitando o copo que ela me oferecia. Talvez tivesse exagerado um pouco na maneira como encarara a situação, o que não era raro de acontecer. Eu tinha um jeito especial para agir com demasiado à-vontade quando não devia, e para agir com uma enorme desconfiança em momentos em que já a devia ter ultrapassado.
Olhando agora para o seu rosto, apercebi-me que ela já perdera toda a vontade que tinha para dançar e, por isso, acabei apenas por agarrar no copo e desviar-me um pouco em direção ao balcão com os ingredientes.
- Mas deixa lá, temos coisas mais importantes para fazer do que dançar. - Afirmei, bebendo o vinho que ela me colocara no copo de uma só vez, fazendo-me desejar um pouco mais do mesmo. - Além disso, a minha intenção não era assustar-te.

Não tinha problemas em dançar com ele, no fundo até queria, era a vergonha. Esta maldita vergonha que me fazia paralisar. Abanei a cabeça, podia jurar que o vinho começara a fazer efeito, ou era apenas um efeito placebo. Tentei não pensar muito nisso de forma a não perder o impulso que estava a tomar. Esperei que ele bebesse o vinho, reparando que também ele o tinha ingerido de uma vez só, e puxei-o por um braço. – Não me assustaste, apenas não estou habituada à tua presença. Como é mais do que normal. – Confessei. O meu corpo aproximou-se do corpo dele renegando todo o afastamento que teimava em ter. Coloquei o meu antebraço à volta do seu pescoço, pousando a minha mão no seu ombro e encostei a minha cabeça ao seu peito. Ele era um tanto mais alto que eu, conseguia sentir o seu corpo debaixo da sua camisola e o seu cheiro a colonia masculina. Todo ele transmitia uma sensação de proteção que me fazia não querer mais fugir dele pela casa .

Durante a dança a minha postura manteve-se imaculada, como é costume.  Eu dava passos pequenos, bastante delicados e femininos, como tal fui educada. Fechei os olhos e deixei-me guiar pela melodia sem me preocupar com o facto de estar a dançar com um desconhecido no meio da cozinha. Depois preocupava-me com isso.

Não sei por quanto tempo é que dançamos. Sinceramente não sei o que se tinha passado pela minha cabeça, o que me fez soltar desta maneira. Não queria pensar muito nisso agora.
Permiti que ele guiasse os nossos passos, porém mantive sempre o meu olhar colado ao chão, não fosse ele pisar os meus pés descalços. E sensíveis, por sinal. As suas mãos ajudavam-no a controlar-me, tinha-as firmes e transmitiam-me segurança, algo que já não sentia há muito tempo.
Quando nos separamos não fui capaz de olhar diretamente para si, deixei que uns minutos assentassem para o fazer. Enquanto isso, eu lavei as minhas mãos com o intuito de  começar a preparar o nosso jantar. A minha timidez atrapalhava as minhas relações todas, deixava tudo mais constrangido do que realmente era. Eu tinha um laco de inteligência emocional, se por um lado era mega sensível por outro era demasiado envergonhava, e as minhas ações nunca falaram muito por mim. – Acho que em vez de fotografia devias ir para a dança..talvez ballet. – Soltei uma leve gargalhada, nunca tentativa de brincar com ele.  – O que me podes contar sobre mim? – Inquiri, deixando-me ser levada pela curiosidade que sentia.